domingo, 20 de dezembro de 2015

JOAQUIM PAÇO D´ARCOS - Medo

 
 
 
 
 

Joaquim Paço D´Arcos(Lisboa, Portugal, 1908 – 1979).

Foi ensaísta, contista, poeta e dramaturgo.

Uma parte da sua obra literária é constituída pela Crónica da Vida Lisboeta, em que ele se dedicou ao estudo da alta sociedade portuguesa de Lisboa.

Algumas das suas obras: Diário dum Emigrante, O Navio dos Mortos e Outras Novelas, Poemas Imperfeitos, Memórias da Minha Vida e do Meu Tempo.

 

                    
                         Medo

Medo não é o temor dos piratas no Rio de Oeste,
Nem dos tufões do mar.

Não é o receio dos tiros, pela noite,

No rio povoado de lorchas e traições;

Nem o susto dos enforcados,

Ao luar branco,

No mangal da Areia Preta.

Medo não é o temor da guerra,

nem da fome, nem da cólera,

Nem das chagas dos leprosos

na Ilha de S. João;

Não é suspeita

De que a morte espreita,

Continuadamente,

E nos levará.

Medo não é contágio da tristeza

Quando a tarde tomba

E o ocaso ensanguenta

O mar de água barrenta,

As terras e o céu,

Até as ilhas serem tragadas pelo negrume

E as montanhas pelo escuro,

E nada restar senão a treva

E os gritos que atravessam a noite,

Vindos não sei donde,

Para não sei onde.

 
Medo não é o temor das ciladas,
Nem dos punhais,

Nem dos beijos vermelhos que enganam

E sorvem lentamente as vidas...

 
Medo é este pavor de que tu partas

E me deixes só.

 

Joaquim Paço D´Arcos, “Poemas Imperfeitos”

 

Sem comentários:

Enviar um comentário