sábado, 30 de abril de 2016

MANUEL ANTÓNIO FERREIRA DEUSDADO – Pensador e escritor






Manuel António Ferreira Deusdado (Rio Frio, Bragança, Portugal, 1858 – Lisboa, Portugal, 1918).

Concluiu o Curso Superior de Letras em 1881.
Foi professor liceal em Lisboa e nos Açores, Vogal do Conselho Superior de Instrução Pública, Lente auxiliar do Curso Superior de Letras, Sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, doutor honoris causa em Filosofia e Letras pela Universidade de Lovaina.
Dedicou-se especialmente a estudos filosóficos, pedagógicos, antropológicos e criminais.

O seu pensamento que, numa 1ª fase, mais ligada ao magistério de Jaime Moniz e Sousa Lobo, se desenvolveu no âmbito do neokantismo, com reduzida originalidade, parece ter evoluído mais tarde no sentido do neotomismo.

Atento à situação da cultura portuguesa do seu tempo, devem-se-lhe interessantes estudos sobre o pensamento filosófico e pedagógico nacional, que denotam, no entanto, certa falta de capacidade crítica e valorativa.

Fundou a revista “Educação e Ensino”.

Algumas das suas obras principais: Ensaios de filosofia actual, Ideias sobre Educação Correccional, Psicologia aplicada à educação, A sugestão hipnótica na educação.



Fonte: Enciclopédia de Cultura


sexta-feira, 29 de abril de 2016

CAROLINA MICHAËLIS DE VASCONCELOS – Filóloga







Carolina Michaëlis de Vasconcelos (Berlim, Alemanha, 1851 – Porto, Portugal, 1925).

Professora, investigadora e escritora alemã.

Dedicou-se ao estudo das línguas e literaturas clássicas, românicas, eslavas e semíticas. Em 1867, já publicava artigos eruditos notáveis, na revista Archiv, de Berlim. Dedicou-se também às línguas espanhola e portuguesa.

Em 1872, era nomeada intérprete oficial das línguas ibéricas. Mas esta missão não fez descurar a colaboração enviada para as Enciclopédias de Brockhauss e Meyer, nem tão-pouco afrouxar a correspondência mantida com os melhores especialistas em filologia românica: Ascoli, Schuchardt, Musafia, Frederico Diez e outros .

Foi por esta ocasião que entrou em relações epistolares com os Portugueses, em virtude da polémica suscitada à volta da tradução do Fausto, por Castilho. Relacionou-se então com Teófilo Braga, Adolfo Coelho e Joaquim de Vasconcelos (1849-1936), passando a trocar correspondência com este último, a propósito de bibliografia, de crítica, de história e de literatura.

Desta contínua correspondência nasceu uma comunhão de ideias que levou ao casamento, efectuado em Berlim, em 1876. A partir desta data, fixou-se no Porto, em Portugal.

Mercê do seu profícuo trabalho, arguto e profundo, foram desfeitos muitos erros de história, esclareceram-se muitos pontos controvertidos em filologia.
A escritora estudou os antigos líricos castelhanos e portugueses e a vida dos serões palacianos da época de D. Manuel I, analisou com perfeito critério científico, os Cancioneiros Medievais e ainda coleccionou e estudou o Romanceiro Português e Espanhol.

Em 1911, foi nomeada, por distinção, professora da Faculdade de Letras de Lisboa, após a reforma do ensino, passando, a seu pedido, para a Faculdade de Coimbra, onde regeu a cadeira de Filologia Portuguesa.

Em 1922, os estudantes desta cidade ofereceram-lhe o anel simbólico de doutora, numa consagração oficial, realizada na Sala dos Capelos.

A sua residência na Rua de Cedofeita, no Porto, misto de museu e de biblioteca, era ponto de reunião dos intelectuais e dos estudiosos, que ali procuravam, muitas vezes, esclarecimentos e directrizes seguras.

Colaborou, com Mendes dos Remédios, na recolha de poesias e trabalhos de historiografia da literatura, e com Teófilo Braga numa história de Literatura Portuguesa, publicada na Alemanha.
Dirigiu e colaborou em vários jornais e revistas portugueses.
Recebeu diversas distinções.

Algumas das suas obras: As Cem Melhores Poesias Líricas da Língua Portuguesa, A Saudade Portuguesa, Romanceiro del Cid, Edição Monumental do Cancioneiro da Ajuda, As Capelas Imperfeitas e a Lenda das Divisas Gregas, Resumo da História da Literatura Portuguesa.




Fonte: Mulheres Notáveis (adaptação).


quinta-feira, 28 de abril de 2016

MARCOS PORTUGAL - Compositor






Marcos Portugal (Lisboa, Portugal, 1762 – Rio de Janeiro, Brasil, 1830).

Marcos Portugal notabilizou-se no domínio da ópera, género que lhe conferiu uma grande visibilidade internacional, mas destacou-se também no âmbito da música sacra, tendo produzido mais de 140 obras.

Organista, maestro e compositor, Marcos Portugal conheceu um notável sucesso além-fronteiras, sem paralelo na história da música portuguesa, com centenas de representações das suas óperas na Europa. 

Em Portugal e no Brasil, no entanto, a sua fama como compositor alicerçou-se fundamentalmente no género sacro com algumas das suas obras a serem mantidas no repertório de muitas instituições eclesiásticas até inícios do século XX. (…)

Foi nomeado organista da Igreja da Patriarcal em 1782 e mais tarde também compositor. A encomenda, nesse mesmo ano, de uma missa em honra de Santa Bárbara, por parte da Rainha D. Maria I, inaugura um longo e frutuoso relacionamento com a família real, que marcou decisivamente o percurso da sua vida. (…)

Em 1792 vai para Itália como bolseiro da coroa portuguesa onde permanece 8 anos, alcançando uma notável fama com as cerca de duas dezenas de óperas aí estreadas. De volta a Lisboa em meados de 1800, é nomeado professor do Seminário da Patriarcal e Mestre do Real Teatro de S. Carlos, para o qual compõe várias óperas.

Apesar da sua posição na corte, quando estava eminente a invasão de Lisboa pelas tropas do general Junot, em Novembro de 1807, Marcos Portugal  não parte com a família real para O Brasil, mantendo uma ligação  bastante ambígua com os invasores franceses.  Só mais tarde, por solicitação do Príncipe Regente (futuro Rei D. João VI), embarca com seu irmão Simão Portugal (também ele compositor de música sacra) para o Rio de Janeiro, onde chega a 11 de Junho de 1811. (…)

No Brasil, Marcos Portugal foi nomeado Mestre de Suas Altezas Reais e incumbido de compor a música para as ocasiões de maior significado religioso, social ou político, em que o Príncipe Regente estivesse presente. (…)
~
Em 1820 dá-se a revolução liberal e a corte regressa a Portugal em 1821, com a subsequente independência do Brasil em 1822. Marcos Portugal decidiu manter-se no Rio de Janeiro servindo o novo monarca. D. Pedro I, que tinha sido seu aluno. (…)

Depois da longa lealdade de 40 anos a D. Maria I e a seu filho D. João VI, o compositor viveu os últimos nove anos servindo o Imperador do Brasil, adquiriu a nacionalidade brasileira e compôs um Hino da Independência cantado nas comemorações do 7 de Setembro durante várias décadas.  



Fonte: Casa da Música (excertos)



quarta-feira, 27 de abril de 2016

SIDONIE GABRIELLE COLETTE - Escritora





Sidonie Gabrielle Colette (Saint-Sauveur-en-Puisaye, França, 1873 – Paris, França, 1954).

Casou, aos vinte anos, com o crítico musical e romancista Henry Gauthier Villars, popularizado pelo nome de Willy. Com ele foi viver para Paris, onde, juntos, escreveram a série de romances de Claudina (1900 – 1903), entre os quais Claudina na Escola, Claudina no Lar, etc., que tiveram enorme êxito e numerosas edições. Esta série de romances foi adaptada ao teatro e ao cinema, com igual êxito.

Em 1906, divorciou-se e fez-se artista de variedades, continuando, porém, a escrever.

Em1911, publicou a obra La Vagabonde, com a qual demonstrou a sua originalidade e o seu talento singularíssimo.
Foi, sucessivamente, publicando outras obras, que a impuseram como a primeira escritora francesa dos últimos tempos.

Colette procura exprimir a linguagem muda da natureza e a vida simples e sensorial dos animais e da mulher.
Foi uma escritora simultaneamente ingénua e perversa, de estilo original e de críticas sempre justas e bem achadas.

Pertenceu às Academias Goncourt e de Bruxelas.

O Governo da França fez-lhe funerais civis oficiais.
O seu centenário foi comemorado na Academia das Ciências de Lisboa, em 23 de Fevereiro de 1973 tendo sido apresentada uma comunicação pelo académico Professor David Mourão Ferreira.



Fonte: Mulheres Célebres


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Palavras de Sidonie Gabrielle Colette:
 “A mulher que pensa que é inteligente exige igualdade de direitos com os homens. Uma mulher que é realmente inteligente não.”


terça-feira, 26 de abril de 2016

FINA GARCÍA MARRUZ - O Menino Bonito






Fina García Marruz (La Habana, Cuba, 1923).

Em 1961, doutorou-se em Ciências Sociais na Universidade de Havana.
É uma das principais vozes da poesia e ensaio do século XX cubano. Integrou o grupo “Origens”.
Foi pesquisadora literária na “Biblioteca Nacional José Martí”.
Algumas das obras publicadas: Os Olhares em Branco, Visitações e Centro de Havana, Créditos de Charlot, Melodias Antigas
Recebeu inúmeros prémios e distinções.



Palavras de Fina García Marruz:

Comunico melhor com o silêncio”



                     O Menino Bonito


Só você, menino bonito, pode entrar num parque.
Eu entro em certos campos, em certas folhas ou em aves.

Só você, menino bonito, pode levar a roupa
ausente do defunto, distraída e remota.

A roupa desenhada, o chapéu da ave.
Só você nesse reino indissolúvel e grave

tocou a magia do exterior, as coisas
indizíveis. Eu levo a roupa maliciosa

de quem sabe da morte e da amarga inocência.
Você não sabe que tem toda a ciência possível.

Mas ai! quando o saiba, o parque estará destruído,
você conhecerá a estranha lucidez do adormecido,

e por que o sol que ilumina seus álamos dourados
hoje os tinge de ouro com palavras e dias melancólicos. 




Tradução: Alai Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros



segunda-feira, 25 de abril de 2016

MÚSICA – Revista de Artes







MÚSICA – Revista de Artes foi editada de 15 de Julho de 1924 a Janeiro de 1925. 

A direção foi de Gastão de Bettencourt e João de Campos Silva. Contou com um número alargado de colaboradores e correspondentes, em Espanha, França, Itália e Alemanha, designadamente Adolfo Salazar, crítico musical do El Sol.

A capa foi desenhada pelo pintor Martins Barata. Muitos dos colaboradores são retratados nas páginas de interior. No início e no fim de cada número, existem muitos anúncios de firmas ligadas à música, fotografia e moda, de novidades literárias, de géneros alimentícios, de medicamentos e artigos de beleza e das indústrias da construção civil e tipográficas. Esta publicação daria continuidade a uma outra versando a mesma temática (Vida Musical).

“Pela Arte” foi o título escolhido para o editorial que deu início à publicação de Música – Revista de Artes, em “ambiente imparcial onde se encontre a verdade Artística.” Divulgar e criticar eram os propósitos da sua direção – “Pelo Portugal Artístico: - eis a síntese do nosso Pensamento.”

Para além da existência de uma publicação periódica sobre esta temática, os seus directores faziam-na acompanhar pela organização, no País, de concertos, tournées, companhias de ópera e opereta e exposições de arte, seguidos de conferências pelos próprios (Gastão de Bettencourt e Óscar da Silva) e pelos convidados externos à direcção desta revista.
Não foram esquecidos, também, muitos dos nomes maiores da música, em termos nacionais e internacionais.

No primeiro caso, Cacilda Ortigão (cantora), Cláudio Carneiro (compositor), Francisco Lacerda (compositor), Hermínio do Nascimento e Ruy Coelho (compositor).

Dos nomes estrangeiros, revelou-se o papel de Bedrich Smetana, Fernucio Benvenuto Busoci e Gabriel Fauré, e também o fotógrafo português Manuel Alves San-Payo que, nos anos de 1920, tanto sucesso teve, no Brasil e em Portugal.

Algumas pequenas notícias surgem por entre os textos de maior profundidade, designadamente acerca do Conservatório Nacional (pedido de obras didácticas para a biblioteca dirigida por Thomaz de Borba e a inauguração do Museu de Instrução do Conservatório Nacional).

Os concertos no Politeama e no São Luiz eram muito aplaudidos pela redacção deste periódico, sobretudo quando relatam a abertura de uma nova época de concertos sinfónicos: “a eles devemos o interesse e gosto pela música criado no espírito do nosso público.”

Sem esquecer algumas de outras artes, a música foi, de facto, o tema central deste periódico – a clássica, pois das outras (jazz, tango, foxtrot ou charleston, que configuraram os “loucos anos 20” e o ambiente frenético que também por Portugal passou um pouco, nada se lhes refere.



Fonte: Hemeroteca Municipal de Lisboa  


domingo, 24 de abril de 2016

S.M.I. O SENHOR D. PEDRO II DO BRASIL VISITOU ALEXANDRE HERCULANO







S.M.I. O SENHOR D. PEDRO II DO BRASIL VISITOU ALEXANDRE HERCULANO

Sua Majestade Imperial visitou o sr. Alexandre Herculano. Isto é inteiramente incontestável. Todos são acordes.

No que porém a opinião está radicalmente desacordada – é acerca do lugar em que o Imperador brasileiro visitou o historiador português.

O Diário de Notícias diz que o Imperador foi à mansão do sr. Herculano.

O Diário Popular afirma que o Imperador foi ao retiro do sr. etc.

O sr. Silva Túlio declara que o Imperador foi ao Tugúrio de Herculano; ainda que linhas depois se contradiz narrando que o Imperador esteve na Tebaida do ilustre historiador que…

Uma correspondência para um jornal do Porto afiança que o Imperador foi ao aprisco do grande, etc.

Outra sustenta que o Imperador foi ao abrigo desse que…

Outros jornais de Lisboa ensinam que Sua Majestade foi ao albergue daquele que…

Outro exclama que Sua Majestade foi à solidão do eminente vulto que…

Outro conta que o imperante foi ao exílio do venerando cidadão que…

Ora, no meio disto, uma coisa terrível se nos afigura: é que Sua Majestade se esqueceu de ir simplesmente – a casa do sr. Alexandre Herculano!

Infeliz príncipe! tinha marcado aquela viagem no seu programa – casa de Herculano – e falha-a! Que infinita, amarga mágoa o não torturará agora nas sombras murmurosas do Catete – que é o Campo Grande de lá!



Eça de Queiroz/Ramalho Ortigão, in “As Farpas”.
Imagem: D. Pedro II




sábado, 23 de abril de 2016

GONÇALO ANES BANDARRA - O Poeta Bandarra






Gonçalo Anes Bandarra (Trancoso, Portugal, 1500 – 1566)

Espécie de profeta ou pseudoprofeta, pensa.se que terão sido os livros escatológicos da Bíblia que despertaram nele uma certa tendência iluminista para interpretar os acontecimentos desastrosos do seu tempo. Mas foi, sobretudo, a partir das suas  exegeses peregrinantes, feitas em círculos ocultistas, especialmente  em Lisboa, que o Santo Ofício se começou a preocupar com ele, obrigando-o a tomar parte na procissão do culto-de-fé de 23 de Outubro de 1541.

As suas Trovas, embora proibidas pela Inquisição, incluídas no Catálogo dos Livros Proibidos (1581), e condenadas pela Mesa Censória, nem mesmo assim deixaram de circular, clandestinamente, acabando, finalmente, por serem editadas em Nantes, pelo marquês de Nisa, no ano de 1644.

Foram especialmente os judeus os que, vítimas de maiores perseguições pela Inquisição, lhe atribuíram um alcance transcendente que elas não tinham. E paralelamente com os judeus, os graves cataclismos religiosos e político-sociais da Reforma e Contra Reforma, a crise dinástica durante a menoridade de D. Sebastião e a consequente perda da independência, com a sua morte em Alcácer Quibir, etc.

Tudo isto tendo contribuído para que as referidas Trovas abrissem caminho através do país inteiro, com a aquiescência, não só dos espíritos incultos, mas, inclusive, de grandes figuras do pensamento, como é o caso do Padre António Vieira, transformando-se num elemento catalisador de preocupações psicossociais e de mitificação nacional, acobertada pela capa do misticismo religioso.

Os restos do poeta-sapateiro Bandarra encontram-se depositados na igreja de S. Pedro, de Trancoso, numa sepultura com epitáfio, mandada levantar em 1641 pelo governador das Armas da Beira, D. Álvaro Abranches.



Fonte: Literatura Portuguesa



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Palavras de Bandarra:

Sou sapateiro, mas nobre
Com bem pouco cabedal;
E tu, triste Portugal,
Quanto mais rico, mais pobre

Em dois sítios me achareis,
Por desgraça ou por ventura:
Os ossos na sepultura,
A alma, nestes papéis.



Algumas trovas de Bandarra:

Os tempos com crueldade
Começar-se hão a mover,
Se me não engana a verdade
Ali perderão seo ser
No meio de certa idade.


Virà gozando de paz
Aquelle pastor valente,
Hum lobo que guerra faz
Moverà toda a gente
Com huma limgua sagaz.


Jà vejo que se desterra
Este pastor sem ventura,
Da patria rebanho, e terra
A huma larga Sepultura
De huma frondoza serra.

Serà pastor estrangeiro
O que reja o manço gado
Que taõ bravo foi primeiro
Mas ai que falta o malhado
Que era o principal Carneiro.

Haverà em triste Cidade
Grande fome peste, e guerra,
Que a Escritura a não erra
Que em tudo falla verdade,



Imagem: Estátua de Bandarra em Trancoso, Portugal








sexta-feira, 22 de abril de 2016

WILLIAM BLAKE - O Jardim do Amor







William Blake (Londres, Inglaterra, 1757 – 1827).

Poeta, pintor e gravador, vítima de visões e acessos de loucura (de que se serviu para ilustrar o Livro de Jó e obras de Chaucer, Virgílio e Dante).
A sua obra, das mais importantes da literatura inglesa, tem provocado as mais diversas interpretações, dada a profundeza da emoção, o seu misticismo e a intensa musicalidade dos versos, em que já se pronuncia o romantismo.

Obras principais: Canções da Inocência e da Experiência e o grande poema O Evangelho Eterno.


Fonte: Koogan Larousse



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Palavras de William Blake:
“A tua amizade já me fez sofrer muitas vezes, sê meu inimigo em nome da amizade.”



     O Jardim do Amor


O Jardim do Amor fui visitar,
E vi então o que jamais notara:
Lá bem no meio estava uma Capela,
Onde eu no prado correra e brincara.

E os portões desta Capela não abriam,
E "Não farás" sobre a porta escrito estava;
E voltei-me então para o Jardim do Amor
Lá onde toda a doce flor se dava;

E os túmulos enchiam todo o campo,
E eram esteias funerárias as flores;
E Padres de preto, em seu passeio secreto,
Atando com pavores minhas alegrias & amores.



William Blake, in "Canções da Experiência" 
Tradução: Hélio Osvaldo Alves


quinta-feira, 21 de abril de 2016

LINHA DE CASCAES – 1896







LINHA DE CASCAES – 1896


Começou o verão, principiaram nos jornaes as lamentações ou as exigências sobre o serviço d´esta linha, a menos rendosa e a mais cara em exploração que a companhia tem.

Uns querem já comboios às 5 e meia da manhã para ver se conseguem que alguém vá já principiando os banhos; outros – ou os mesmos – querem que o comboio páre a todo o momento ou, pelo menos, que páre num determinado ponto para evitar que dois passageiros por dia que vão tomar banhos n´um estabelecimento que fica a 400 metros d´uma estação, tenham o incommodo de andar esses 400 metros, embora com isso se incommode e se demore a viagem de 100 ou 200 passageiros que vão para Cascaes ou d´ali veem.

Pasmoso. E pasmoso também como se argumenta com as linhas estrangeiras, prova evidente que, quem com as linhas estrangeiras, prova evidente que, quem tal faz, ou nunca sahiu de cá, ou lá por fóra não soube ver.

Não há linha mais urbana do que o metropolitano de Londres que passa sob todas as ruas. Pois em todas ellas teria que parar se por lá houvesse declamadores como os nossos.

A linha de Cintura de Paris, a de Versailles, e de Saint Clou, teem apeadeiros, mas nunca a uma distancia inferior a 1 Kilometro.

Ora de S João do Estoril à estação do Estoril ha apenas 1.148 metros.

Os banhos da Póça ficam entre estas duas estações logo, a meio que ficassem, a maior distancia seria 574 metros, isto é, o que se anda em 5 ou 6 minutos, mas nem isso é, porque, segundo informação que buscámos na própria empresa, são 400 metros desde Estoril.

Para quê, pois fazer parar o comboio? Para dar importancia ao estabelecimento? Crêmos que para reclame gratuito é forte.
E depois, note-se, quem não tem que andar 400 metros ou mais para ir da estação ao ponto de destino ou vice-versa?

Qualquer casa nas ruas de Paço d´Arcos não fica a menos a menos de 400 metros da estação; em Pedrouços, Cruz Quebrada, Oeiras, Estoril, Cascaes, succede o mesmo.

Um jornal lembrou, com toda a razão, que a solução, n´estes casos, é estabelecer um serviço de omnibus entre a estação do caminho de ferro e o local dos banhos.
O simples bom senso mostra que era o melhor.

Depois, estabelecendo-se ali um apeadeiro a companhia não podia deixar de cobrar pela estação seguinte – nada lucrava o passageiro do lado de Lisboa e o do lado de Cascaes pagaria 80 réis em 1ª classe, 60 réis em 2ª e 40 réis em 3ª.
Ora, indo os passageiros ao Estoril pagam metade d´estes preços, logo a differença dá bem para o carro, tendo a vantagem d´este ir leval-os e buscal-os à porta do estabelecimento.

Compara-se o sonhado apeadeiro da Póça com o de Barcarena! Só por gracejo!
Este fica a 2k, 200 de distancia da estação mais próxima, serve uma fabrica de pólvora pertencente ao Estado e é reputado de tal forma de utilidade publica que o ministério da guerra pagou a sua construção.
A Póça fica apenas a 400 metros do Estoril!
Que se contente com o reclame que lhe fizemos.

A companhia nega-se a estabelecer ali o apeadeiro, não pelos pequenos gastos de construção, mas principalmente pelo interesse do publico, que não veria com agrado que o demorassem na sua viagem para se satisfazer a um puro capricho dos pocistas.

O novo serviço de Cascaes vae começar brevemente. A companhia esforça-se por fazer comboios a contento do publico, sem olhar a interesses nem a augmento de gastos.
Pois apostamos em como toda a gente protestará.



Fonte: Gazeta dos Caminhos de Ferro Nº 1166 - 16 de Julho de 1896.

Imagem: primeiro comboio que circulou na linha do Estoril.