segunda-feira, 31 de outubro de 2016

ACTRIZ VIRGÍNIA





Virgínia Dias da Silva (Torres Novas, Portugal, 1850 – Lisboa, 1922).
Quem há que não lhe admire o talento, a distinção, a simpatia do seu sorriso, a suavidade do seu olhar, o som argentino da sua voz, enfim, todos os seus encantos de mulher, que, não sendo formosa como uma virgem de Ticiano, encanta como o suave perfume da violeta, a que se compara na singeleza e na modéstia com que se esconde.

Quem como ela é capaz de nos fazer rir, com o seu riso alegre como um bando de passarinhos, ou enternecer-nos, como quando os seus lábios trémulos murmuravam a canção do Salgueiro? No seu olhar límpido e translúcido, espelha-se a sua alma feita de luz.

A voz quente e apaixonada moldada para acentuar as mais ternas frases de amor, acaricia-nos o ouvido como um cântico, despertando em nós os suaves eflúvios que inspira a melodiosa música de Bellini.

Se não tem, como Emília das Neves, a compleição artística das grandes trágicas, é uma actriz moderna que no palco brilha com todo o fulgor do seu talento e sabe reproduzir com notável mestria os tipos idealizados pelos grandes escritores, como Shakespeare, Dumas, Sardou, Ohnet, etc.

É notável a maneira artística como Virgínia sabe variar as inflexões da sua voz harmoniosa, clara, de vibrações cristalinas; como sabe moldar a sua fisionomia às diferentes cambiantes do personagem. 

Como sabe ser alegre e triste, humilde e altiva, fria e apaixonada;como reproduz o amor e o ódio, o despeito e o ciúme, a vingança de leoa, o arrulhar da pomba, a resignação da mártir, a candura da inocência, a majestade da rainha, a timidez da donzela, a despreocupação da mocidade ou o ar grave da matrona.

O vastíssimo reportório desta actriz, fala mais alto do que a nossa humilde pena, nada habituada a estes trabalhos.

Além de muitas outras peças, tem a notável actriz Virgínia, sido vitoriada na sua carreira dramática, nas seguintes: Fedora, Princesa de Bagdad, Ernani, Solteirões, Grande Industrial, Dionísia, Othelo, Castros, Leonor Teles, Marquês de Willemer, etc.
A Fedora notabilíssimo trabalho só por si faria a reputação desta artista.

Virgínia tem de há muito o seu lugar conquistado na cena portuguesa ao lado dos nossos primeiros artistas. Não nos abalançamos a fazer a sua biografia que quanto a nós se resume em três palavras: Talento, Glória e Modéstia.

Muito poucas são as que no nosso teatro podem ombrear com ela em talento e triunfos, nenhuma é mais modesta.

C. Alves


in “Theatros – Jornal de Crítica” – Lisboa, 1 de Janeiro de 1896.


domingo, 30 de outubro de 2016

O RENASCER DOS BELOS SENTIMENTOS UMA VEZ SATISFEITAS AS NECESSIDADES BÁSICAS





O renascer dos belos sentimentos uma vez satisfeitas as necessidades básicas
                                
                               «Para se exercerem as virtudes do espírito é necessário um mínimo de conforto material.»
(Santo Agostinho)

Esta pungente história se passou no meio de uma selva, nas areias de um deserto, num velho navio abandonado e sem rumo, em qualquer lugar em que há dificuldade de alimentação e o homem começa a sentir o remorder do antropo ou qualquer outra fagia que lhe espicace o estômago.

Pois, sozinho e sem se alimentar há vários dias o homem vinha caminhando no vasto areal (ou selva, etc), seguido apenas do seu fiel cachorro. 

Lá para as tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima enunciado, a fome bateu-lhe às portas da barriga: «Pam, pam, pam, ó de casa!». 

Já batera antes, mas o homem fingia que não ouvia. 

Naquele momento, porém, não resistiu mais e atendeu à fome. 

Matou o cachorrinho, única coisa comível num raio de quilómetros. 

Matou-o, assou-o num fogo improvisado e comeu-o todo, todo, com uma fome canina (perdão!). 

Quando tinha acabado de comer todo o animal, sentou-se, plenamente satisfeito. 

E foi então que olhou em torno e começou a chorar: «Ai, ai, ai, - soluçou, - pobre do Luluzinho! Como ele adorava roer esses ossos!».


Moral: Quando eu tiver uma casa bem confortável escreverei um Tratado de Sociologia.





Millôr Fernandes, escritor, poeta, humorista, dramaturgo, jornalista (Rio de Janeiro, Brasil, 1923 – 2012), in “Pif-Paf”.

Imagem:pintura de Manuel Araújo (Porto Alegre, Brasil, 1806 – Lisboa, Portugal, 1879).



sábado, 29 de outubro de 2016

LI BAI - Bebendo Sozinho com a Lua





Li Bai (China, 701- 762).
Foi um dos maiores poetas da dinastia Tang (618-907), a época de ouro da poesia chinesa. Li Bai é um dos mais famosos e respeitados poetas chineses.



    Bebendo Sozinho com a Lua


De um pote de vinho entre as flores,
Bebo solitário. Ninguém me acompanha...
Até que, erguendo minha taça, pedi à lua brilhante
Para trazer-me minha sombra e para que fizéssemos três.
Ai de mim, a lua era incapaz de beber
E minha sombra me acompanhava despreocupada;
Mas ainda por um momento tive dois amigos
Para me alegrarem já no fim da primavera...
Cantei. A lua me encorajava.
Dancei. Minha sombra espojava-se no chão.
Tanto quanto me lembro fomos bons companheiros.
E depois fiquei bêbado e nos perdemos um do outro.
... A boa vontade deverá ser sempre mantida?

Fiquei olhando a longa estrada do Rio das Estrelas.




sexta-feira, 28 de outubro de 2016

ADELAIDE CABETE – Médica e defensora dos ideais feministas




Adelaide Cabete (Alcáçova, Elvas, Portugal, 1867 – Lisboa, 1935).

Foi médica, republicana, sufragista e defensora convicta dos ideais feministas.
Ingressa, em 1896, na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Lá, aprende a arte da Medicina com figuras ilustres como Alfredo da Costa, Miguel Bombarda e Curry Cabral.

Em 1900, já com 33 anos de idade, termina a licenciatura em Medicina com a apresentação da tese “A protecção às mulheres grávidas como meio de promover o desenvolvimento físico das novas gerações”, assumindo-se como a terceira mulher a cumprir Medicina em Portugal.

Adelaide apela, como médica, aos cuidados materno-infantis, reivindicando a construção da Maternidade Alfredo da Costa, a qual foi inaugurada em 1932.

Promove também o acesso à saúde pública, bem como algumas medidas profiláticas contra doenças infecto-contagiosas. Ainda assim, a sua devoção ao exercício médico não a impede de defender os ideais políticos nos quais piamente acreditava. 

Assim, como politica e presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, reclama a protecção à mulher pobre e à jovem grávida, a erradicação da prostituição e os cuidados na educação das crianças, mostrando-se contrária à prática abortiva.

Neste sentido, as variadíssimas obras que publica, visam apelar à igualdade de direitos entre homens e mulheres e ao direito às condições mínimas de sobrevivência das mulheres.

Nos congressos nacionais e internacionais feministas em que participou, durante a década de 20, divulga o papel da mulher nos vários domínios da sociedade portuguesa.

Em 1929 parte para Angola, onde se empenha na defesa dos direitos dos indígenas e de outras causas justas, sem nunca esquecer a luta pela criação de maternidades e de instituições para crianças.

Em suma, Adelaide Cabete, mulher de bagagem intelectual extensa, foi lutadora ímpar e defensora convicta dos ideais feministas. O seu dinamismo, frontalidade e forte personalidade não a deixaram dormir sobre os louros conquistados.

Solidária, bondosa e destemida, não se limitou a teorias, deixando-nos uma vasta obra que se pauta pela sua linguagem clara, simples e objectiva, com aplicação prática.



Fonte: Dicionário de Médicos Portugueses (excertos)


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Algumas das suas obras: Papel que o Estudo da Puericultura, da Higiene Feminina Deve Desempenhar no Ensino Doméstico, Protecção à Mulher Grávida, A Luta Anti-Alcoólica nas Escolas.


Palavras de Adelaide Cabete:
“Àqueles timoratos que perguntam onde irá o feminismo parar, responder-lhes-emos: o feminismo terminará onde acabam todas as ideias de progresso e toda a esperança generosa; terminará onde acabam todas as aspirações justas”.


quinta-feira, 27 de outubro de 2016

SAMPAIO BRUNO – Escritor, ensaísta e filósofo




Sampaio Bruno (Porto, Portugal, 1857 – 1915).

Abandonou a Academia Politécnica do Porto após o 1º ano para se dedicar ao jornalismo. Publicou o seu primeiro livro com 17 anos. 

Tendo participado na revolução de 31 de Janeiro de 1891, viveu exilado em Paris até 1893.

Membro do directório do Partido Republicano Português aos 21 anos, afastou-se da disciplina partidária em 1902 e da vida política em 1911.

Deixou vasta obra de índole política, religiosa e filosófica. Autodidacta, o seu pensamento apresenta-se esotérico e heterodoxo. Exerceu, contudo, notável influência sobre a geração da Renascença Portuguesa e em poetas como Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa.

Algumas das suas obras:A Ideia de Deus, Análise da Crença Cristã, A Filosofia da Natureza das Naturalistas, Notas do Exílio, O Brasil Mental.




in “Portugal Século XX”

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

FIZESTE BEM EM PARTIR, ARTHUR RIMBAUD !





FIZESTE BEM EM PARTIR, ARTHUR RIMBAUD!


Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Teus dezoito anos refractários à amizade, à malevolência, à bobeira dos poetas de Paris, assim como ao zunzum de abelha estéril de tua família ardenesa um pouco doída, fizeste bem espalhá-los aos quatro ventos, em jogá-los sob a lâmina de sua guilhotina precoce. Tiveste razão em abandonar o boulevar dos preguiçosos, os botequins, os mija-liras, pelo inferno das feras, pelo comércio dos espertos e o bom-dia dos simples.

Este impulso absurdo do corpo e da alma, esta bala de canhão que explode seu alvo, sim, é isso mesmo a vida de um homem! Não se pode, indefinidamente, saindo da infância, estrangular seu próximo. Se os vulcões mudam pouco de lugar, sua lava percorre o grande vazio do mundo levando virtudes que cantam em suas feridas.

Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Ainda há quem creia, sem provas, que contigo a felicidade é possível.



René Char, poeta (França, 1907 - 1988), in "Fureur et Mystère"


terça-feira, 25 de outubro de 2016

EZRA POUND - Hugh Selwyn Mauberly





Ezra Pound (Hailey, Idaho, EUA, 1885 – Veneza, Itália, 1972).
Foi um dos maiores poetas do movimento modernista da poesia norte-americana.



Hugh Selwyn Mauberly

Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz
Diz a ela que espalha

Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.

Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora

Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.




Trecho de Hugh Selwyn Mauberly

Tradução: A. de Campos



segunda-feira, 24 de outubro de 2016

NADIR AFONSO – Pintor, arquitecto e filósofo




Nadir Afonso (Chaves, Portugal, 1920 - Cascais, 2013).

Com apenas quatro anos de idade pintou a vermelho um círculo bem delineado nas paredes da sala da sua casa e aos catorze anos realizou as primeiras pinturas a óleo.

Depois de concluídos os estudos liceais em Chaves, partiu para o Porto, em 1938, a fim de ingressar no curso de Pintura da "Escola de Belas Artes do Porto".

Em 1940, estreou-se a expor. Nos anos seguintes, os do Período Surrealista da sua pintura, participou em todas as exposições do Grupo dos Independentes, até 1946, na IX Exposição de Arte Moderna do Secretariado Nacional de Informação (1944), em Lisboa, e na Missão Estética de Évora (1945).

Em 1946 fixou-se em Paris. Nesta cidade frequentou a "École des Beaux-Arts"  e colaborou no atelier do famoso arquitecto Le Corbusier.

Em 195 trocou a Europa pelo Brasil, onde trabalhou com o arquitecto Oscar Niemeyer (1907- 2012), designadamente nas comemorações do IV Centenário da Cidade de S. Paulo.

Quatro anos volvidos regressou a Paris.

Em 1970 publicou "Mécanismes de la Création Artistique", foi tema de uma exposição retrospectiva no "Centre Culturel Portugais" da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris. 

Em 1974 viajou para o outro lado do Atlântico, expôs em Nova Iorque e publicou "Aesthetic Synthesis". Em 1983 publicou "Le Sens de l'Art" e em 1996 produziu painéis para a estação dos Restauradores do Metropolitano de Lisboa.

Em 2010 realizou-se uma grandiosa exposição da sua obra intitulada "Nadir Afonso Sem Limites", patente no "Museu Nacional Soares dos Reis", no Porto, e no "Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado", em Lisboa. 

A pintura da Nadir tem sido exibida em mais de uma centena de exposições e está representada em importantes museus de cidades portugueses e estrangeiras. 



Fonte: Universidade do Porto (excertos)



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Palavras de Nadir Afonso:

”Se tiver um metro quadrado de espaço para trabalhar sou tão feliz como numa grande cidade."





domingo, 23 de outubro de 2016

MONTY PYTHON





MONTY PYTHON


Inglaterra. Domingo à noite, 5 de Outubro de 1969. Uma grande surpresa espera os que ligam os seus televisores e se preparam para uma noite de entretenimento. 

Um concurso mostra Genghis Khan a morrer, e a sua morte classificada por um júri. O anúncio de uma manteiga proclama o seu paladar superior, impossível de distinguir do de um caranguejo morto. E uns excitados locutores desportivos fazem o relato de Pablo Picasso a pintar enquanto pedala numa bicicleta através de Inglaterra. («Será muito interessante ver como vai ele lidar com o tráfego intenso junto de Wisborough Green´s»). 

São… Os Malucos do Circo!

Em finais dos anos 60 – uma década de confrontos raciais, protestos estudantis, guerras não declaradas, assassínios políticos, Woodstock, a primeira alunagem e a emergência do autor-compositor sensível – talvez nada pudesse ser completamente novo e inesperado. 

No entanto, Graham Chapman, John Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle, Terry Jones e Michael Palin – colectivamente, os Monty Python – fizeram-no semana após semana. 

Quando um John Cleese de smoking entoava «E agora, algo completamente diferente…» (gozando com a BBC, naturalmente), estava completamente certo. 

Personagens anunciavam repentinamente o seu desejo de serem não só lenhadores, mas lenhadores travestis. 

Os sketches eram interrompidos por personagens de outros sketches. 

Os telespectadores eram instruídos sobre técnicas de auto defesa contra fruta fresca. 

De qualquer forma, os Monty Python encontraram maneira de levar as suas audiências – em minutos, por vezes em meros segundos – da pura incompreensão (a Dança da Bofetadas com Peixe) a momentos de profunda e memorável gargalhada. 

Os fãs dos Pyton recordam nitidamente a sua primeira vez.




in “A FILOSOFIA SEGUNDO MONTY PYTHON” – (excerto)



sábado, 22 de outubro de 2016

PÁRTENON – Atenas





O PÁRTENON (447-432 a.C.) está situado no cimo da Acrópole, em Atenas. Talvez o maior monumento da época clássica (650-323 a.C.), resume o máximo refinamento do templo dórico. 

O invulgarmente largo plano rectangular mede trinta e um por sessenta e nove metros; o peristilo, a área de oito por dezassete colunas que rodeia o templo, contém duas divisões dentro de sólidas paredes de cantaria; a sala maior, ou naos, com a sua colunata interior de suporte, continha a estátua da deusa padroeira Atena. 

O mármore branco local do Pentélico era o material perfeito para os vivos pormenores do projecto e execução dos baixos-relevos do friso e do pórtico. 

O edifício foi sujeito a meticulosos refinamentos de proporção e geometria, conhecidos por entasis, para manter uma aparência de exacto alinhamento. As linhas aparentemente perpendiculares e horizontais são, na realidade, inscritas em planos curvos ou inclinados, para corrigir a ilusão de óptica da distorção da perspectiva.



in “Arquitectura” de Neil Stevenson”


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

CARTA DE MIGUEL ROVISCO PARA MÁRIO VIEGAS





Carta de Miguel Rovisco para Mário Viegas


Lisboa, 21 de Julho de 1986

Mário,

Como é sabido, por vaidade todo o autor escreve as suas obras para que estas sejam lidas; no que respeita a cartas, então é meio mundo a escrevê-las para meio mundo as ler. Há, contudo, honrosas excepções: tal como a minha parente sentimental para o seu cavaleiro Chamilly, também eu neste momento posso afirmar que escrevo para mim próprio. A modéstia! Primeiro, porque o meu pessimismo patriótico não crê que uma carta deitada num marco dos correios em Lisboa consiga alguma vez atingir o Porto; segundo, porque o meu bom amigo respeita-se o suficiente para compreender que se esta epístola começa mal há-de acabar ainda pior, e assim sendo terá a delicadeza de a pôr de lado – queime-a – sem passar além deste parágrafo. Bom, agora que estou positivamente certo de que escrevo “pour moi même”, abalanço-me com toda a liberdade. O narcisista!

... Mas há-os aos pontapés, a eles – só que eu sou-o e não me exibo, ao passo que eles são-no e se exibem por todos os lados e todos os lagos. Os narcisos, claro! Como lhe informei no nosso único encontro, tenho vindo a fazer parte do júri do Festival de Teatro Amador de Lisboa 86 – ninguém me avisou a tempo, a mim que nada percebo destas coisas, embora o devessem ter feito. Ai os membros do júri! Ai as pessoas conhecidas dos membros do júri! Ai ainda as pessoas que os membros do júri não conhecem mas que se dão a conhecer... – juri-lhe (leia-se: “juro-lhe”), ó Mário... e tu, ó pá, que me não avisaste! Se o teatro é isto (refiro-me a ele como um todo, não apenas ao amador), que faço eu aqui metido?

Em teatro odeio os bons actores – deixemos de lado os que se julgam bons -, para admirar incondicionalmente os saltimbancos. O que é necessário: um teatro de estrada e de talento que substitua o actual teatro de conservatório e de subsídios. O teatro converteu-se numa espécie de religião da qual, à abundância de pregadores, Deus achou por bem ausentar-se – aquilo já nada era a ver com ele. A pioria, contudo, está nas “tournées” pedantes: tudo torna ao mesmo sítio. Ao mesmo igual. E diz-se que o povo ficou mais culto. O povo, claro, não deu por isso (o-festival-de-teatro-em-Setúbal, só de pensar nisso me arrepio...). Porque o teatro, salta aos olhos, não é para o povo. Faz-se teatro, claríssimo, com o único objectivo do subsídio. O objectivo é que o ministério se agrade de nós. Que o subsídio, ó actores, sempre subsista! (Depois desta minha curta experiência pelos palcos – horrível, pelos bastidores -, eis o meu grito de guerra: “Abaixo o teatro, vivam os ciganos!”)

Quanto ao que eu tenho feito dia a dia, bem pouca coisa! No meu emprego, como estamos entrados nos últimos seis meses do ano, preencho com paciência bíblica milhares de fichas com as duas palavrinhas que me valem os 25.000$00 mensais: “2º Semestre”. (Entre nós, com manha chulista abrevio a palavra “semestre” para “2º semen” – e é vê-las, as coleguinhas da função pública a abanarem-se do calor com as fichas cheias disso! A gente por cá diverte-se assim.) No outro dia, à tardinha, registou-se a catástrofe atómica da televisão ter dado o berro para depois nem mais um pio, precisamente – há maldade nestas coincidências do universo – no início da telenovela. Enquanto a minha mãe se disparava para a casa de banho, finalmente tomada a consciência da precária situação da mulher na sociedade deste século – “que eu até vomito o jantar, que não sei o que hei-de fazer à vida” -, eu ofereci-me um passeio pelo Jardim da Estrela. Eram nove da noite, mas ainda entardecia: eu de gravata e descalço – pois é verdade que me descalcei. Como foi bom! Como me passou a neura, por sentir ainda o morno da terra na planta dos pés. Lamentavelmente, vi-me forçado a escrever mais um poema... – já não é inspiração aquilo, é mania! Mas o verde eterno das árvores, isso é sempre agradável. A propósito, faço tenções de ter um busto no Nacional, apesar de tudo, e uma estátua a corpo inteiro no Jardim da Estrela, perto do coreto, para alívio da perna alçada de qualquer rafeiro. Evidentemente – porque se apressa você em tirar conclusões? – isto sucederá uns trinta anos depois da minha morte - e, também é de evidência, cantar-se-á um Te Deum. Este sim, merecido.

Não lhe pergunto como vão as coisas aí pelo T.E.P., porque cá ou lá a trampa deve ser a mesma. Quanto a mim, que ainda não sou obra de arte, hesito se deverei ou não pôr de lado a escrita dramática. É certo que, desde o nosso encontro primaveril, escrevi mais uma peça e já tenho ideias – e título – para a seguinte. Falta-me, todavia, o principal: a vontade de ser útil à sociedade. (Não, não... se o meu amigo lhes ler esta carta daqui a algumas décadas, eles desistirão do urinol canino e dos cânticos celestes.) No que toca ao teatro, estou tentado a sacudir-me.

Um abraço de quem se não esquece da sua simpatia para comigo (dos elefantes guardo a memória e a tromba – “hélas” para o marfim...),



Miguel Rovisco

PS – Ouça: se teve o mau gosto de ler a carta até o final, não tenha agora o gosto ainda mais reprovável de entrar imediatamente em contacto comigo. Seria ridículo! Acabei de lhe confessar que, pela minha parte, também simpatizo com a sua pessoa – aliás, você e a jovem Dra. Manuela Pinto Barbosa, do M. da Cultura, foram o único oásis para a minha tromba... Escreva-me antes daqui a um mês ou dois. Melhor: pelo natal, se se lembrar, mande-me um cartão de boas festas.



(À mão, escrito de lado, pela letra do Mário Viegas, o seguinte):

Estas cartas contam tudo e são completamente inéditas e geniais. Morreu aliás, com uma carta para mim no bolso. Foi uma paixão. É um CRIME não se publicar a sua obra. Um dos maiores choques que sofri até hoje.



in, “Pancada de Molière”
Imagem: cópia da carta acima publicada.


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Miguel Rovisco (Lisboa, Portugal,1959 - 1987). Foi autor de centenas de poemas e de 20 peças teatrais.

Mário Viegas (Santarém, Portugal, 1948 – Lisboa, 1996). Foi actor, encenador e declamador.


quinta-feira, 20 de outubro de 2016

T. S. ELIOT - A Terra Desolada






T. S. Eliot (St. Louis, Missouri, EUA, 1888 – Londres, Inglaterra, 1965).
Poeta modernista e dramaturgo.
A sua obra é das mais significativas e importantes da cultura europeia.
Recebeu o “Prémio Nobel de Literatura” em 1948.


     A Terra Desolada

1 – O enterro dos mortos

Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida.
O verão; nos surpreendeu, caindo do Starnbergersee
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos
E ao sol caminhamos pelas aleias de Hofgarten,
Tomamos café, e por uma hora conversamos.
Big gar keine Russin, stamm’ aus Litauen, echt deutsch.
Quando éramos crianças, na casa do arquiduque,
Meu primo, ele convidou-me a passear de trenó.
E eu tive medo. Disse-me ele, Maria,
Maria, agarra-te firme. E encosta abaixo deslizamos.
Nas montanhas, lá, onde livre te sentes.
Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno.
Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem,
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
E as árvores mortas já não mais te abrigam,
nem te consola o canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.



Trecho do poema A Terra Desolada.
Tradução:Ivan Junqueira







quarta-feira, 19 de outubro de 2016

JOSÉ LINS DO REGO – Escritor




José Lins do Rego (Pilar, Paraíba, Brasil, 1901 – Rio de Janeiro, 1957).

Filho de uma tradicional família de produtores de açúcar, passou a infância no engenho Corredor, propriedade do avô materno, após a morte prematura de sua mãe. Essas vivências dos tempos de menino, em contacto com as tradições da sociedade nordestina açucareira, alimentaram grande parte da sua produção literária.

Entrou para a Faculdade de Direito, em 1919, na capital pernambucana. Foi nessa época que conheceu o escritor e sociólogo Gilberto Freyre, com quem travou uma amizade que lhe influenciou quanto à maneira de pensar a formação da sociedade brasileira.

Após tentar carreira na magistratura, como promotor público em Minas Gerais, José Lins do Rego transferiu-se para Maceió (AL), onde conheceu a elite de intelectuais da época: Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima, Valdemar Cavalcanti, Aloísio Branco, Carlos Paurílio, dentre outros.

Seu primeiro romance foi publicado em 1932. 
José Lins do Rego inaugurava com Menino de Engenho uma série de seis obras intitulada "Ciclo da cana-de-açúcar". 

O primeiro romance foi seguido pela publicação de Doidinho, Bangüê, Moleque Ricardo, Usina e Fogo Morto (1943), todos dedicados à reconstrução de um detalhado painel do ocaso da produção açucareira no período após a abolição da escravidão no Brasil por meio de um discurso memorialístico.

Outros temas presentes em sua obra literária e relacionados ao universo nordestino foram o cangaço, a seca e o misticismo ou sebastianismo. Esses temas, unidos ao ciclo da cana-de-açúcar, deram ao escritor um perfil regionalista. 

Ele trabalhou a temática do Nordeste brasileiro através de uma linguagem popular regional, o que conferiu à sua obra veracidade e autenticidade no tratamento das questões daquela realidade cultural.

Seu último romance, Cangaceiros, foi publicado em 1953.

Em 15 de Setembro de 1955, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, para ocupar a cadeira nº 25. No ano seguinte, fez sua última viagem a Paris (França), onde encontrou Gilberto Freyre e Cícero Dias. Foi a despedida dos amigos. De volta ao Brasil, lançou seu livro de memórias Meus Verdes Anos.

Alguns de seus livros foram adaptados para o cinema e teatro. Várias de suas obras também foram traduzidas para outros idiomas. O retrato histórico e memorialístico da tradicional sociedade açucareira constituído por José Lins do Rego ainda continua atual.



in “Mestres da Literatura”


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Palavras de José Lins do Rego:
“O pior não é morrer de fome num deserto: é não ter o que comer na Terra Prometida.”



terça-feira, 18 de outubro de 2016

ENID BLYTON - Escritora de livros de aventuras para crianças e adolescentes.





Enid Blyton (Reino Unido, 1897 – 1968).

A partir de 1920, começou a alcançar sucesso com a publicação de histórias e artigos em diversos jornais.
Em 1922 publicou o livro de poemas, Child Whispers.
Em 71 anos de vida, 43 anos de carreira, publicou mais de 700 livros, muitos dos quais traduzidos em cerca de 90 línguas.
Vendeu, até hoje, mais de 500 milhões de livros.

São famosos os seus livros de histórias: Os Cinco, Os Sete, Noddy, As Gémeas, As Quatro Torres, a Colecção Aventura e a Colecção O Mistério.

Em 1952, publicou a sua autobiografia, The Story of My Life.




Palavras de Enid Blyton:

"... O meu pai amava o campo, adorava flores e pássaros e animais selvagens, e sabia mais sobre eles do que qualquer um que eu já conheci. Ele estava sempre disposto a levar-me com ele nas suas expedições, e compartilhar o seu amor e o seu conhecimento comigo!”