sexta-feira, 4 de novembro de 2016

JOÃO CABRAL DE MELO NETO – Uma Faca só Lâmina




João Cabral de Melo Neto (Recife, Brasil, 1920 – Rio de Janeiro, 1999).

Publica, em 1942, o seu primeiro livro de poemas: Pedra do Sono.
Em 1984 é designado para o posto de cônsul-geral na cidade do Porto (Portugal). Em 1987 volta a residir no Rio de Janeiro.
Recebeu  numerosos prémios, entre eles, o “Prémio Camões” em 1990.
Em 1994, publica sua Obra Completa.

A um importante trabalho de pesquisa histórico-documental, editado pelo Ministério das Relações Exteriores, deu João Cabral o título de "O Brasil no arquivo das Índias de Sevilha". Com as comemorações programadas neste final do século, relacionadas com os feitos dos navegadores espanhóis e portugueses nos anos que antecederam ou se seguiram ao descobrimento da América, e, em particular ao do Brasil, a pesquisa de João Cabral assumiu valor inestimável para os historiadores dos feitos marítimos, praticados naquela época.

Da obra poética de João Cabral pode-se mencionar, ao acaso, pela sua variedade, os seguintes títulos: O cão sem plumas, Poemas escolhidos, A educação pela pedra, Morte e vida severina e outros poemas em voz alta", A escola das facas", Sevilla andando.
Em prosa, além do livro de pesquisa histórica já citado, João Cabral Neto publicou Juan Miró e Considerações sobre o poeta dormindo.




Fonte: “Academia Brasileira de Letras” (excerto e adaptação).


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Palavras de João Cabral de Melo Neto:
“A vida não se resolve com palavras.”



Uma Faca só Lâmina

Assim como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;

assim como uma bala
do chumbo mais pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado;

qual bala que tivesse um
vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração activo

igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,

relógio que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;

assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;

qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto

de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso
de homem que se ferisse

contra seus próprios ossos


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