terça-feira, 31 de janeiro de 2017

ANTÓNIO CORREIA DE OLIVEIRA - A Despedida





ANTÓNIO CORREIA DE OLIVEIRA
(São Pedro do Sul, Portugal, 1879 - Esposende, 1960).

Poeta

Foi, sem dúvida, um dos poetas mais conhecidos da sua geração.

Publicou o primeiro livro aos 16 anos, encontrando-se desde essa obra definida a sua arte poética: uma simplicidade na trova ao gosto popular, um pendor narrativo que aproxima mais a sua lírica de certo romantismo epigonal que da genuína tradição portuguesa, os temas de exaltação patriótica, que o transformaram, a partir de certa altura, no poeta «oficial» do regime político vigente – conceito, aliás, injustamente redutor.

Poeta de estro fácil, nele se conjugam o realismo junqueiriano, o idealismo cristão, o panteísmo tocado de saudosismo, à Pascoaes, do qual o separava a intuição filosófica: importa, todavia, não esquecer que a sua vastíssima bibliografia inclui também obras de longo fôlego e alta inspiração, como, em verso branco, as Tentações de Sam Frei Gil, 1907.


in “Dicionário  de Autores Portugueses” 


A DESPEDIDA

Três modos de despedida
Tem o meu bem para mim:
- «Até logo»; «até à vista»:
Ou «adeus» – É sempre assim.         

«Adeus», é lindo, mas triste;
«Adeus» … A Deus entregamos
Nossos destinos: partimos,
Mal sabendo se voltamos.

«Até logo», é já mais doce;
Tem distância e ausência, é certo;
Mas não é nem ano e dia,
Nem tão-pouco algum deserto.

Vale mais «até à vista»,
Do que «até logo» ou «adeus»;
«À vista», lembra, voltando,
Meus olhos fitos nos teus.

Três modos de despedida
Tem, assim, o meu Amor;
Antes não tivesse tantos!
Nem um só… Fora melhor.


in “Antologia Poética”





segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

NO PAÍS DOS SACANAS






NO PAÍS DOS SACANAS


Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.

No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia. Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.



JORGE DE SENA (Lisboa, Portugal, 1919 — Santa Bárbara, Califórnia, EUA, 1919), poeta, crítico, ensaísta, dramaturgo, tradutor e professor universitário.

Imagem: escultura do artista catalão Josep Maria Subirachs (1927- 2014).

domingo, 29 de janeiro de 2017

ELINA GUIMARÃES - "A mulher do futuro"




ELINA GUIMARÃES
(Lisboa, Portugal, 1904 - 1991)

Jurista, escritora e feminista


Acreditando sempre na capacidade intelectual das mulheres e na necessidade de lutar pela igualdade de direitos e oportunidades entre ambos os sexos, realizou os seus primeiros estudos em casa, frequentou os Liceus Almeida Garrett e Passos Manuel e, em 25 de Novembro de 1926, licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, com a classificação de 18 valores.

Era nas questões relacionadas com a sua formação académica: legislação, sufrágio, jurídica e de propaganda que Elina dava cartas, daí ter-lhe sido atribuído um voto de louvor pelo seu brilhante artigo que publicou no jornal “O Rebate”, onde criticava a lei eleitoral que não reconhecia o direito de voto à mulher. 

Para além disso, apresentou teses como: “A protecção à mulher trabalhadora” e “Da situação da mulher profissional no casamento” porque não somente defendia a participação política da mulher como forma de intervenção na sociedade, como exigia o direito a uma educação igualitária como forma de assegurar a mesma preparação profissional e a mesma liberdade de trabalho que ao sexo oposto.

Elina através da sua escrita teve um papel dinamizador e preponderante na difusão dos ideais feministas e poder-se-á de facto caracterizá-la como “a mulher do futuro” porque lutou pelas suas convicções de forma aguerrida e entusiasta.



in “UMAR” (excertos)

***

Palavras 
de 
Elina Guimarães

“O princípio básico do feminismo é a igualdade, ou antes, a equivalência moral, intelectual e social dos dois sexos”.






sábado, 28 de janeiro de 2017

PANTEÃO – Roma




PANTEÃO 


As sucessivas épocas do Império Romano deram continuidade a um desenvolvimento arquitectural que fez avançar as técnicas de construção e engenharia. Embora muito ligados às estabelecidas ordens da arquitectura grega, os Romanos haviam de descobrir uma nova forma de expressão na gama dos seus tipos de edifícios, na sua complexidade espacial, e um planeamento urbano coordenado que conseguiu uma coesão através do império. 

O potencial estrutural do verdadeiro arco, previamente usado na arquitectura etrusca, encontrou a sua conclusão lógica nas estruturas romanas em abóbada e cúpula. Esses desenvolvimentos estruturais deram lugar a novas formas arquitectónicas, excedendo os limites da construção com entablamento. 

Foram utilizados sistemáticos métodos de engenharia para explorar recursos locais e fabricar materiais. 
A construção em cúpula e com estrutura de cimento foi usada num dos mais impressionantes edifícios sobreviventes do período romano, o Panteão (120-24 d. C.) de Roma. 

Incrivelmente conservado devido à sua utilização contínua até à seguinte época da cristandade, os seus espantosos mais de quarenta e três metros de vão só foram igualados no século XIX.


in “Arquitectura” – Neil Stevenson


sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A NECESSIDADE DA POESIA





A NECESSIDADE DA POESIA


Jean Cassou afirma que a poesia é «a mais perfeita expressão do homem, a sua mais alta operação espiritual» e que o seu fim «é explicar o homem, acompanhá-lo, exaltá-lo no decurso da sua prodigiosa ascensão».

À grandeza das contradições desta «prodigiosa ascensão» não pode deixar de opor a poesia o seu rosto resplandecente ainda que torturado, rosto onde se reflecte e reconhece, nos seus abismais delírios, nas suas fugas, nas suas vitórias e derrotas, a vida dramática do homem que a todo o custo procura humanizar o mundo, mudar a vida.

A poesia confronta-se à luz crua e radical da tragédia, supera-a e, no mais aceso da luta, na tensão máxima das contradições, é ela que promete e afiança a síntese em que todos os valores do homem se possam encontrar sem sacrifícios mutiladores. 

Como no mito de Anteu, está ligada à terra dos homens para atingir os mais altos momentos do humano em que a vida é criação, potência, pura virtualidade, vibração do desejo decantado, catarses.
O seu fim é eminentemente social mesmo quando a sua mensagem é pessimista. 

É René Bertelé quem, num seu conhecido ensaio sobre Henri Michaux, repete a crença num «pessimismo tónico». E diz-nos da finalidade social da poesia: «dar força ao homem, permitir-lhe agir sobre o mundo». 

Desenvolvendo todas as leis da imaginação, reivindicando a sua difícil singularidade, exaltando-a para melhor e mais concretamente se integrar no universal - é assim que o poeta age. Já em alguns poetas a poesia ultrapassa o estádio de recusa de um mundo convencional (fase destrutiva mas necessária, cujo perigo consistia em levar a negação a extremos onde o humano se dissolvia) - e uma nova poesia surge lucidamente empenhada na epopeia do nosso tempo, revalorizando tudo o que une essencialmente os homens, vivendo da comunhão dos grandes ideais, toda voltada para o futuro e a esperança. 

Sob o signo da angústia ou da esperança – que tantas vezes se fundem no poema - o certo é que o poeta procura sempre afirmar a sua diferença, a originalidade do seu canto, numa relação válida com o universo, definida como experiência.

Nada tem a ver a poesia com a ficção homem comum. A sua condição de «a mais alta operação espiritual» obriga-a ao desenvolvimento máximo das faculdades humanas, na sua maioria amortecidas pela existência degradante. 

Não pode haver razões de ordem social que limitem a altitude ou a profundidade dum universo poético, que se oponham à liberdade de pesquisa e apropriação dum conteúdo cuja complexidade exige novas formas, o ir-até-ao-fim das possibilidades criadoras e expressivas - porque a poesia e a arte também obedecem a um princípio de extensão. Livre, é a palavra mais querida dos poetas, a mais vital para a poesia.

Atentos à multiplicidade do real e à maravilhosa diversidade dos destinos poéticos, a nossa posição é a da total isenção a tudo quanto a poesia der voz e pela poesia se realizar. Nosso primeiro critério: o da autenticidade.

Renegando a gratuitidade como intenção (e não como resultado lúdico do momento criador), consideramos a superior necessidade da poesia tanto no plano da criação como no da demanda social. 

Lutando pela dignificação da nossa condição de poetas, não esqueceremos nunca que o sentido da verdadeira poesia é o da «prodigiosa ascensão do homem». O misterioso triunfo dos versos só se estabelece quando as forças da vida subjugam as da morte - quando a poesia é uma perpétua conquista.


in “Árvore: folhas de poesia” – 1951
Imagem: pintura de Joan Miró (Espanha, 1893 – 1983)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

FRANCISCO DE HOLANDA – Pintor





FRANCISCO DE HOLANDA 
(Lisboa, Portugal, 1517 – 1585)

Pintor e arquitecto

Considerado um dos mais importantes vultos do renascimento em Portugal.
Em 1538-1547 visitou, como pensionista, a Itália, onde se relacionou com o círculo de Vittoria Colonna e privou com alguns notáveis artistas (Miguel Ângelo, etc.). 

No seu espólio artístico avultam particularmente os desenhos, mas sabe-se haver executado um retrato de D. Catarina (1554). 
No Museu Nacional de Arte Antiga existe uma Nossa Senhora da Misericórdia que lhe é atribuída. 

No âmbito da cultura artística nacional do século XVI o significado fundamental de Francisco de Holanda reside em haver fornecido base teórica, desta vez com raízes directas na Itália, à corrente maneirista, em reforço da pista já tentada no país, mas com fontes setentrionais, por alguns artistas.

Das peças gráficas que deixou, destaca-se Desenhos, do Escorial, obra indispensável no estudo do património arqueológico romano e da arte italiana da primeira metade do séc. XVI. A Fábrica é o primeiro estudo (utópico e complexo) sobre o urbanismo redigido na Península Ibérica.

Da Pintura Antiga alude a Nuno Gonçalves (livro primeiro) e constitui fonte capital para o entendimento de Miguel Ângelo e do clima artístico, social e religioso de Roma durante o segundo quartel do séc. XVI.



in “Enciclopédia de Cultura”


quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

FERREIRA DE CASTRO – Os Mineiros





FERREIRA DE CASTRO 

(Oliveira de Azeméis, Portugal, 1898 — Porto, 1974)

Escritor 

Precursor do neo-realismo, as suas obras, arrancadas à vida, impõem-se pela compaixão com os humildes e oprimidos.
Emigrou para o Brasil em 1911, tendo trabalhado num seringal na Amazónia. 
Atingiu o apogeu com a publicação do romance A Selva.


OS MINEIROS


Laceram-se as entranhas da Terra e desse ventre fecundo surgem, sob os braços incansáveis dos mineiros, prodigiosas riquezas – forças que despertam enfim, depois do seu longo sono no regaço dos séculos, auroras de metais que se tornarão incandescentes para engrinaldar o Progresso.

É daí que vem esse turbilhão epopeico que os complicados mecanismos cantarão depois, em ária triunfante, na penumbra das grandes fábricas, no seio dos grandes transatlânticos, na fornalha crepitante dos lestos comboios.

E o mineiro surge assim como um desbravador de segredos milenários – Sísifo que abandonou o dorso da montanha, para desta conhecer o pétreo coração. Vai mais além da profundidade que lhe é concedida para sepultura – e leva com ela ao mundo das trevas os primeiros fachos de luz, numa peregrinação mefistofélica de energia e de luta.

E sob o seu poder, o granito fende-se, a rocha despedaça-se – abre-se a terra em alamedas sinistras, em abóbadas onde parecem ecoar os rugidos da morte.

E o ventre da terra chega a ser o estranho palácio dum senhor tenebroso, duma sombra satânica, que odeia o Sol e que só após muita luta que ao fundo dos seus trágicos corredores, das suas medonhas galerias, as pupilas de sangue dos faróis primitivos fossem substituídas pelos seios em fogo das lâmpadas eléctricas.

E impassíveis ante a ameaça dos escombros, ante as exalações da morte, os mineiros continuam sua rude faina – heróis que não terão estátua, Hércules que não figurarão na mitologia.

De quando em quando, ao longe, ouve-se o ruído da catásfrofe que se avizinha, sente-se o olor mortal adensando o ambiente - e todavia os mineiros prosseguem sempre, negros o tronco e as mãos, os olhos e a fronte, como se acabassem de destruir a própria alma das trevas.

Seu sacrifício é ignorado, mesmo quando no Inverno o carvão que eles arrancaram à terra amorna e enlanguesce as salas onde se ostentam corpos indolentes; seu destino é desconhecido, mesmo quando nos dedos de mulheres belas, esguios e pródigos de carícias, se mostram orgulhosos os diamantes que eles ajudaram a conquistar.

Todo o mundo contemporâneo, com a sua alegoria mecânica, com as novas comodidades e confortos descobertos pela ciência, é animado e é consequência desse esforço anónimo que no seio da terra realizam os mineiros.
Eles na verdade só desceram às entranhas da terra para auscultar o coração dos vulcões…
São os dominadores de outro mundo e são também os párias desta terra que trilhamos – párias a quem está vedado quase toda a vida, a contemplação das paisagens geórgicas, do céu de anil, do cortejo dos astros.

O ruído da vida exterior só chega até eles na picareta que escava sempre, sempre, interminavelmente. A palpitação do mundo só é escutada lá em baixo como um eco dum secular martírio – a que está sujeita a humanidade e a que eles estão sujeitos também.
E por isso, quando chega a hora do breve repouso e eles assomam à superfície da terra, seus olhos volvem-se com espanto para o Sol – e em seu assombro parecem até não o conhecer.

A vida roubou-lhes tudo, tudo, roubou-lhes até a própria luz, deixando-lhes apenas aquele longo rosário de trabalhos e sacrifícios que eles vão desfiando no silêncio da treva.



in “A Epopeia do Trabalho”


terça-feira, 24 de janeiro de 2017

RAUL PROENÇA - Tradições





RAUL PROENÇA
(Caldas da Rainha, Portugal, 1884 – Porto, 1941)

Escritor, bibliotecário e jornalista


TRADIÇÕES

Tradições, no nosso país, são o empenho, a falta de iniciativa, de solidariedade, de coragem moral, o egoísmo dos homens de fortuna (que se sentem socialmente desobrigados quando deixam seus bens intactos ou acrescidos), o direito que cada um se reconhece, que lhe reconhecem os tribunais, de desatar aos tiros à autoridade legítima, porque não concorda com a maneira como ela decretou, por exemplo, sobre o aguilhão dos bois… 

Devemos amar, respeitar, consagrar, perpetuar essas tradições (que o são inegavelmente), só porque são tradições? O dever do mestre não consistiria – ao contrário do que pretende Barrès – em mostrar a sua fealdade, o seu dano, a sua ilegitimidade? Poderemos ter algum prazer ou alguma glória em continuar a ver desenrolar-se a «procissão nacional» dos subservientes, dos apáticos, dos pusilânimes, dos egoístas, dos inadaptados a toda a ordem social? 

Bons ou maus, os nossos gostos são nossos – prega Maurras. Que se diria, porém, de um pai que desejasse conservar os vícios dos seus filhos pelo fútil motivo de que são deles e não doutro? Decerto que a hipótese da loucura nos acudiria ao espírito. 

Contrariar os vícios nacionais – pode lá haver programa mais sensato, mais útil, mais benemerente de educação nacional?



in “Seara Nova” - 1929 

Imagem: Raul Proença por Carlos Botelho (Lisboa, 1899 -1982)




segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

CARMINA BURANA





CARMINA BURANA


Nome que se dá a um manuscrito medieval que foi descoberto em 1803 na Abadia beneditina de Beuron (Benediktbeuren), na Alemanha. Constitui um conjunto de poemas compostos e interpretados pelos goliardos (eclesiásticos separados da regra, indivíduos marginais ou estudantes), que na Idade Média vagueavam pelos países da Europa. 

Compilados durante o século XIII e datados provavelmente no século XII (embora segundo algumas fontes tenham sido escritos por volta de 1230), os poemas inspiram-se na literatura clássica ou litúrgica. 

Carl Orff partiu destes textos para compor a sua conhecida cantata Carmina Burana.




in “Auditorium”

domingo, 22 de janeiro de 2017

JORGE ROSA - Escrevi teu nome no vento





JORGE ROSA 
(Lisboa, Portugal, 1930 – 2001)

Artista plástico, cenógrafo e poeta

Artista plástico multifacetado, com uma obra invulgarmente extensa, considerando os variados campos da arte a que se dedicou.

Aos 18 anos começou a distinguir-se pelo elevado valor artístico dos seus trabalhos de desenho, a crayon de nus artísticos e animais e a tinta-da-china de obras religiosas como a Descida da Cruz, Cristo Crucificado e as fachadas de igrejas e monumentos de Lisboa apresentando já, na opinião dos seus mestres, uma elevada qualidade e rigor de pormenor.

Ao longo de mais de 50 anos, dedicou-se ininterrupta e simultaneamente, com singular maestria, às artes de: desenhador, maquetista, pintor, decorador, figurinista, cenógrafo e poeta.

Sendo um apaixonado pela cidade de Lisboa e da sua vida nocturna e particularmente dos seus bairros mais populares como a Madragoa, Alfama, Bairro Alto e Mouraria, onde se cantava o fado de que muito gostava, pintou magistralmente as sua casas, suas escadinhas e suas gentes, de que se destacam os quadros de casario, telhados e figuras típicas como as varinas, os fadistas e os vendedores de rua. 

Realizou dezenas de exposições individuais e colectivas, com centenas de quadros que produziu.

Como maquetista, desenhou e pintou, programas de espectáculos, catálogos de exposições,  cartazes publicitários de montra e de parede de filmes, de peças de teatro, especialmente revistas do Parque Mayer, onde durante 40 anos então como cenógrafo, concebeu cenários e desenhou guarda roupas, tendo também colaborado com poemas.

Para as marchas dos santos populares dos bairros de Alfama, Madragoa, Mouraria e Carnide, desenhou arcos e produziu as letras das marchas, algumas das quais, também musicou.

Como caricaturista, a sua capacidade de apreensão rápida em poucos traços das características mais significativas de cada caricaturado, tornaram-no, sem dúvida, de longe, no caricaturista português preferido, com uma obra ímpar quer em qualidade quer em quantidade.

Entre os anos de 1950 e 2000 foi o caricaturista que produziu 90% das caricaturas de todos os livros de curso editados na zona da Grande Lisboa, cada um deles com dezenas de imagens.

Como poeta, em parceria com os melhores maestros e músicos, compôs fados inesquecíveis que foram cantados por todos os fadistas de maior nomeada.
Os poemas que originaram fados, canções e marchas e que se encontras registados na Sociedade Portuguesa de Autores, rondam os 800, não considerando aqueles, e foram muitos, de que o poeta abdicou dos seus direitos autorais para oferecer aos seus amigos e amigas cançonetistas e fadistas.

Do seu enorme espólio artístico de pinturas, caricaturas e poemas, destacam-se cerca de 3.000 poemas inéditos que os seus herdeiros põem à disposição de todos os artistas que os quiserem cantar, alguns dos quais já foram escolhidos, após sua morte, por artistas consagrados.

in “Portal do Fado” (excertos) 


ESCREVI TEU NOME NO VENTO


Escrevi teu nome no vento
Convencido que o escrevia
Na folha dum esquecimento
Que no vento se perdia

Ao vê-lo seguir envolto
Na poeira do caminho
Julguei meu coração solto
Dos elos do teu carinho

Pobre de mim, não pensava
Que tal e qual como eu
O vento se apaixonava
Por esse nome, que é teu

Em vez de ir longe, e levá-lo
Longe onde o tempo o desfaça,
Anda contente a gritá-lo
Onde passa e a quem passa

E quando o vento se agita,
Agita-se o meu tormento;
Quero esquecer-te, acredita,
Mas cada vez há mais vento



Fado de Lisboa:
- Letra: Jorge Rosa
- Música: Raul Ferrão


sábado, 21 de janeiro de 2017

ANTÓNIO PEDRO - Auto-Retrato





ANTÓNIO PEDRO
(Cidade da Praia, Cabo Verde, 1909 – Moledo do Minho, Portugal, 1966).

Encenador, poeta, dramaturgo e artista plástico


Personalidade multifacetada, generoso e versátil, foi pintor nos anos 30 e 40 e responsável pela ruptura então processada dentro do modernismo português: a proposta surrealista apresentada em 1940 com Dacosta e Pamela Boden, em exposição na Casa Repe, em Lisboa. 

Integra em 1947 o grupo surrealista de Lisboa, com o qual expõe pela última vez pintura em 1949. No mesmo ano assume em Lisboa a direcção do Teatro Apolo. 

Inicia em 1950 o seu exílio voluntário em Moledo do Minho, praticando cerâmica e envolvendo-se no campo teatral, tendo sido director, figurinista e encenador do Teatro Experimental do Porto (1953-1961).

Ensaísta e crítico de arte, cronista da BBC em Londres em 1944-1945, deixou vasta obra publicada. A ele e a Tom se ficou a dever também a organização da primeira galeria de arte moderna em Portugal, a UP, ao Chiado.

Grande parte da sua produção de pintor pereceu num incêndio do atelier em 1944. 
Está representado no Museu da Fundação Gulbenkian.

Algumas das suas obras mais importantes: Os meus sete pecados mortais, Devagar, Máquina de Vidro, Poemas au Hasard, Onze Poemas Líricos de Exaltação, Protopoema da Serra de Arga, Pequeno Tratado de Encenação.


in “Grande Livro dos Portugueses”


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Palavras
de
António Pedro
“A poesia precisa cada vez menos de palavras. A pintura precisa cada vez mais de poesia.”


           Auto-retrato


Mago de me fazer história e guerra,
Capaz em cada imagem de servir
A minha imagem d’oiro que um porvir
Breve desfaz e n’outra imagem se erra,

Ou louco de temer-me, pela serra
Árvore doida em transe de florir
Mãos como frutos, e olhos a dormir
Ao marulho das ondas, sobre a terra,

Quero-me, tonto, a tornar exacto e certo,
Quotidiano e vil, como suponho
Tão necessário que se seja, aquilo

Que ultrapassando o limiar incerto
Do que é em suave (de divino) trilo
Recria em mundo o que nasceu num sonho.



in “Casa de Campo”