A NECESSIDADE DA POESIA
Jean
Cassou afirma que a poesia é «a mais perfeita expressão do homem, a sua mais
alta operação espiritual» e que o seu fim «é explicar o homem, acompanhá-lo,
exaltá-lo no decurso da sua prodigiosa ascensão».
À
grandeza das contradições desta «prodigiosa ascensão» não pode deixar de opor a
poesia o seu rosto resplandecente ainda que torturado, rosto onde se reflecte e
reconhece, nos seus abismais delírios, nas suas fugas, nas suas vitórias e
derrotas, a vida dramática do homem que a todo o custo procura humanizar o
mundo, mudar a vida.
A
poesia confronta-se à luz crua e radical da tragédia, supera-a e, no mais aceso
da luta, na tensão máxima das contradições, é ela que promete e afiança a
síntese em que todos os valores do homem se possam encontrar sem sacrifícios
mutiladores. Como no mito de Anteu, está ligada à terra dos homens para atingir
os mais altos momentos do humano em que a vida é criação, potência, pura
virtualidade, vibração do desejo decantado, catarses.
O
seu fim é eminentemente social mesmo quando a sua mensagem é pessimista. É René
Bertelé quem, num seu conhecido ensaio sobre Henri Michaux, repete a crença num
«pessimismo tónico». E diz-nos da finalidade social da poesia: «dar força ao
homem, permitir-lhe agir sobre o mundo». Desenvolvendo todas as leis da
imaginação, reivindicando a sua difícil singularidade, exaltando-a para melhor
e mais concretamente se integrar no universal - é assim que o poeta age.
Já em
alguns poetas a poesia ultrapassa o estádio de recusa de um mundo convencional
(fase destrutiva mas necessária, cujo perigo consistia em levar a negação a
extremos onde o humano se dissolvia) - e uma nova poesia surge lucidamente
empenhada na epopeia do nosso tempo, revalorizando tudo o que une
essencialmente os homens, vivendo da comunhão dos grandes ideais, toda voltada
para o futuro e a esperança.
Sob o signo da angústia ou da esperança – que tantas
vezes se fundem no poema - o certo é que o poeta procura sempre afirmar a sua
diferença, a originalidade do seu canto, numa relação válida com o universo,
definida como experiência.
Nada
tem a ver a poesia com a ficção homem comum. A sua condição de «a mais alta
operação espiritual» obriga-a ao desenvolvimento máximo das faculdades humanas,
na sua maioria amortecidas pela existência degradante. Não pode haver razões de
ordem social que limitem a altitude ou a profundidade dum universo poético, que
se oponham à liberdade de pesquisa e apropriação dum conteúdo cuja complexidade
exige novas formas, o ir-até-ao-fim das possibilidades criadoras e expressivas
- porque a poesia e a arte também obedecem a um princípio de extensão. Livre, é
a palavra mais querida dos poetas, a mais vital para a poesia.
Atentos
à multiplicidade do real e à maravilhosa diversidade dos destinos poéticos, a
nossa posição é a da total isenção a tudo quanto a poesia der voz e pela poesia
se realizar. Nosso primeiro critério: o da autenticidade.
Renegando a gratuitidade
como intenção (e não como resultado lúdico do momento criador), consideramos a
superior necessidade da poesia tanto no plano da criação como no da demanda
social.
Lutando pela dignificação da nossa condição de poetas, não esqueceremos
nunca que o sentido da verdadeira poesia é o da «prodigiosa ascensão do homem».
O misterioso triunfo dos versos só se estabelece quando as forças da vida
subjugam as da morte - quando a poesia é uma perpétua conquista.
in
“Árvore: folhas de poesia” – 1951
Imagem: pintura de Roger de La Fresnaye (Le Mans,
França, 1885 – Grasse, 1925)
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