sábado, 10 de junho de 2017

UM PAÍS DE CANALHAS

 
 
 
 
UM PAÍS DE CANALHAS

Pensar Portugal. Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história. Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do país.
A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido.
Nós não somos um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião. Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi.
A independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia. Aljubarrota foi Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles.
Entre os originais e a colectividade há o vazio. O segredo da nossa História está em que o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo mais ou menos a horas. Mas quando ele existe pelos outros, é o caos e o sarrabulho. Não há por aí um original para servir?


VERGÍLIO FERREIRA (Gouveia, Portugal, 1916 – Lisboa, 1996), escritor e professor, in “Conta-Corrente 2”. (Citador)

Imagem: Cartoon de JOÃO ABEL MANTA (Lisboa, Portugal,1928), arquitecto, pintor e cartoonista.

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JOÃO ABEL MANTA publicou este cartoon, em formato de poster, nas páginas centrais de um suplemento (A Mosca) do jornal Diário de Lisboa, de 11 Novembro de 1972.

Em 21 de Novembro o caso é denunciado à polícia judiciária, e um mês depois era deduzida a acusação contra João Abel Manta por ofensa à bandeira nacional.
O juiz, absolveu o cartoonista, atendendo à argumentação da defesa, representada por José Carlos Vasconcelos que o fez nestes termos:

“O poster tem um sentido que é exactamente contrário do que a mentalidade censória, inquisitorial, dos acusadores lhe quis dar. O poster é uma defesa da pátria e do seu símbolo, a bandeira, contra aqueles que a usurpam, servindo-se abusivamente dela em manifestações artísticas medíocres ou em certos actos ainda muito mais graves. Mas julgo que os acusadores e os seus chefes têm sobejos motivos para se sentirem atingidos pela crítica acerada de João Abel, pois ela atinge também em cheio, todos os que vivem ao nível de um país de cançoneta, os que são a imagem viva, na política e na finança, no jornalismo, do cançonetismo mais baixo e que, pior, são capazes de todas as covardias e das maiores infâmias.”

JOSÉ CARLOS VASCONCELOS (Freamunde, Paços de Ferreira, Portugal, 1940) é advogado, jornalista e escritor.
 




 

 


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