terça-feira, 4 de julho de 2017

AMÁLIA – O dia em que ia sendo presa

 
 
 
AMÁLIA RODRIGUES
(Lisboa, Portugal, Julho de 1920 – Outubro de 1999)

 
O DIA EM QUE AMÁLIA RODRIGUES IA SENDO PRESA

 
Finais dos anos 60, na "Adega Machado" (casa de fado de renome mundial). Todas as noites, ao fim de fado e folclore, o espectáculo fechava sempre com a "Marcha do Machado", uma brincadeira que levava à escolha de pessoas do público para interagirem numa mini marcha popular com os artistas da casa.

Numa noite em que Amália Rodrigues jantava na "Adega Machado", um dos bailarinos escolheu-a e a diva do fado encabeçou a marcha, sorridente, com arco e balão na mão.  Espontânea, como sempre, sem avisar, resolveu sair do restaurante, levando a trás bailarinos, clientes, fadistas, guitarristas e empregados de mesa que decidiram alinhar na brincadeira. O inédito aconteceu: a "Marcha do Machado", acabou por seguir Bairro Alto fora, com Amália à frente e uma legião de muitos desconhecidos a acompanhar.

"Estão todos presos!"

Num cruzamento da Rua da Atalaia com a Travessa da Queimada, dois "polícias de giro" (na altura, nome que se dava aos agentes de bairro) interceptaram a marcha. Sob a velha máxima pré-25 de Abril, declararam: "Mais do que duas pessoas é um ajuntamento... ou uma manifestação comunista. Está tudo preso!".

A marcha parou, o silêncio deu lugar à euforia anterior. Entre olhares temerosos, todos se preparavam para passar uma noite na esquadra quando surgiu, por acaso, o chefe da esquadra da Mercês, celebrizado com a alcunha de "o bailarino" (segundo consta que tinha boa esquiva e usava passos de bailarino nas suas intervenções). Ao ver o grupo, ouviu a explicação dos seus agentes e concordou com a detenção... até que viu quem encabeçava a brincadeira.

Chefe: Mas é a dona Amália Rodrigues numa manifestação?

Amália: Sou, sim senhor. Mas isto não é uma manifestação, é só a "Marcha da Adega Machado".

Chefe: Bem, se é a dona Amália que vai à frente, então siga a marcha!

Quebrou-se o silêncio, voltou-se a cantar e a marcha seguiu até à "Adega Machado" com três novos marchantes (embevecidos pela rainha das fadistas): os três temidos polícias. Sem sequer cantar o fado, com o seu dom de arrastar multidões, Amália acabou por ser, como sempre, a estrela da noite.


Vital d'Assunção, in “Histórias giras do fado” 2010


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