quarta-feira, 5 de julho de 2017

AMÁLIA – Olympia de Paris (1ª Parte)

 


AMÁLIA RODRIGUES
(Lisboa, Portugal, Julho de 1920 – Outubro de 1999)

OLYMPIA DE PARIS

Em 1987, recebi um convite daqueles que não se podem recusar. Era, nem mais nem menos, para ir ao Olympia assistir à estreia de um espectáculo que a Amália faria naquele tão célebre teatro de "music-hall" durante toda uma semana. Nem pensei duas vezes e fui até Paris, onde, como seria de esperar, acabei por ficar os dias todos.

Nesse ano, tinha-se publicado a biografia que eu escrevi de Amália, produto de muitas horas de conversa, durante mais de quatro anos. E tínhamos ficado grandes amigos. Para esse trabalho eu tinha investigado muito o passado artístico da Amália em vários sítios, de Nova Iorque a Paris, passando por Roma, e, claro, muita coisa nos jornais portugueses. Isto para, pelo menos, fixar algumas datas, recolher algumas críticas, já que à Amália nunca interessou guardar nada dessas coisas. E até era lógico, pois o importante para ela era cantar, e o sucesso era sempre tão grande, por todo o mundo, que nunca teve tempo, ainda que tivesse o desejo, que não tinha, de guardar coisas dessas.

Portanto, porque sabia que o Olympia era, para Amália, um lugar muito importante, pois foi dali que, em 1956, partiu para o mundo como uma grande cantora internacional, era lá que a queria ver, embora já tivesse assistido à loucura que desencadeava noutras cidades, como Roma e até em Paris, no prestigiado Théâtre de la Ville, mas nunca no Olympia.

Quando chegou o dia do primeiro espectáculo, as coisas começaram a mudar de figura. Amália, com a sua eterna insegurança, essa insegurança que todos os grandes artistas têm, começou a ficar muito nervosa. Horas antes do início do espectáculo, foi à Igreja da Madeleine recolher-se, rezar um bocadinho, a depois foi a pé até ao Olympia. Como de costume, Amália, com o seu grande profissionalismo, chegava muito cedo ao teatro.

É claro que o espectáculo foi um sucesso tremendo, com toda a gente a aplaudir de pé, a cantar com a Amália as cantigas alegres, como ela gostava, que era a sua maneira de "meter o público no espectáculo". E, depois, a vibrar, naqueles momentos que não é possível explicar, como o "Povo que lavas no rio", em que a sua entrega era total, sempre diferente, sempre mais arrebatadora, em que nenhum público, mesmo sem saber uma palavra daquilo que ela cantava, podia deixar de sentir um arrepio na espinha, em que o génio da grande intérprete se revelava avassalador. E era verdadeiramente de génio que se tratava, um génio bem presente, ali no palco, defronte de nós, sem truques nem técnicas, toda a verdade, fazendo sentir a "piedade e o medo" que definem a tragédia.

Por fim, quando o espectáculo acabou numa emocionante apoteose, seguiu-se uma fila muito densa de pessoas que se aglomeravam à porta do camarim para a saudar. Havia embaixadores, havia cançonetistas franceses famosos, havia aristocratas e milionários, havia admiradores de longa data, e havia também gente que desde há muito gostava de Amália a não queria perder a oportunidade de estar junto dela, ao menos uma vez na vida, e queria, se possível, pedir-lhe um autógrafo.
(continua)
 
Vítor Pavão dos Santos

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