quarta-feira, 26 de julho de 2017

AMÁLIA – O refúgio

 
 
 
AMÁLIA RODRIGUES
(Lisboa, Portugal, Julho de 1920 – Outubro de 1999)

 
O REFÚGIO

A casa era o refúgio. Uma casa amarela, a meio da rua de S. Bento. Agora é um museu.
 
A casa é diferente da “Casa Portuguesa” que cantou nos anos 1950. Já não há cheiro a alecrim, mas há flores em todos os cantos. Do boudoir já não vem o cheiro do perfume Jean Patou, mas estão ainda os frascos sobre uma pequena cómoda. Das gavetas entreabertas, saem lápis e batons, blush e pincéis. E rente, na mesma concavidade, as blusas de seda dependuradas, cobertas com um pano branco que as protege do pó.

O quarto tem uma antecâmara suficientemente larga para aí caberem as condecorações que recebeu, a pedraria de pechisbeque com que gostava de se enfeitar – os diamantes, não os exibia, e aquelas jóias reluzentes, falsas, permitiam-lhe pôr ora uma, ora outra, variar… Na casa de banho, está em exposição uma túnica larga e colorida, confortável. Na sala de estar, o espaço amplo permitia estar com um grupo numeroso, entrar pela noite fora.

Amália gostava de receber, a sua casa era um centro. As paredes estão revestidas de retratos seus, pintados ao longo dos anos. Nos recantos há bonecas, bonequinhas – que não teve quando era criança. Vestidos de cena montados num pedestal, os sapatos a condizer – aí se percebe como o pé era pequeno e estreito, número 36.
Sobre qualquer mesa, há oratórios e referências religiosas. A sua Fé era grande. Onde antes era a garagem, é agora a loja do museu e vende-se material relativo a Amália. As visitas são sempre guiadas.

A casa está morta desde que Amália partiu, em Outubro de 1999. Portugal inteiro chorou as “talhas do seu caixão” – que tão emotivamente cantava no fado “Povo que Lavas no Rio”.

Que história contamos dela? “Sei que a minha história vai ser aquela que escolherem, aquela que é mais interessante, aquela que não é a minha” – previu, em conversa com o seu biógrafo. O seu lugar era na tragédia – disseram-lhe em Hollywood. Foi uma personagem trágica? Dela sai vida.


Anabela Mota Ribeiro – 2008
Imagem: mural urbano de Odeith na Damaia - Lisboa

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