sábado, 30 de setembro de 2017

ALEXANDRE O'NEILL - Um adeus português

 
 
 
ALEXANDRE O'NEILL
(Lisboa, Portugal, 1924 - Lisboa, 1986)

Poeta

Foi um dos fundadores do Grupo Surrealista de Lisboa, surgido em 1947. Estreou-se com o poema gráfico A Ampola Milagrosa, 1948. Desvinculado do surrealismo, publicou Tempo de Fantasmas, 1951. No seu itinerário poético chegou do entusiasmo ao desengano através do divertimento, da ironia e do humor negro, como pode ver-se em Poesias Completas, 1951-1983.

in “Portugal Século XX”
***

UM ADEUS PORTUGUÊS 


Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
 
 

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor


 Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver




Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

 
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta dor portuguesa
tão mansa quase vegetal


Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser



Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal


Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

 

in “Poesia Completas”



   













 







 
 
 
 

 
 








sexta-feira, 29 de setembro de 2017

COPISTAS

 
 
 

 COPISTAS

Os primeiros Copistas que existiram em Portugal eram membros de ordens religiosas e conheceram o seu apogeu nos últimos quatro séculos da Idade Média. São considerados  os precursores da Imprensa, e levaram  sua arte a tais rigores de perfeição, que alguns trabalhos saídos das suas mãos representam verdadeiros primores caligráficos.
As melhores escolas de Copistas fundaram-se entre os monge cistercienses de Alcobaça e os crúzios de Coimbra. A uns e outros se ficou a dever o treslado de obras clássicas e religiosas que muito contribuíram para a valorização da vida cultural do tempo.
No estrangeiro os Copistas datam de tempos imemoriais. Sobretudo na antiga Grécia e em Roma, onde existiram aos milhares.

 

in “Dicionário da Literatura Portuguesa”

                                             

 

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

NO FUNDO SOMOS BONS MAS ABUSAM DE NÓS

 

 
NO FUNDO SOMOS BONS MAS ABUSAM DE NÓS

O comum das gentes (de Portugal) que eu não chamo povo porque o nome foi estragado, o seu fundo comum é bom. Mas é exactamente porque é bom, que abusam dele. Os próprios vícios vêm da sua ingenuidade, que é onde a bondade também mergulha. Só que precisa sempre de lhe dizerem onde aplicá-la. Nós somos por instinto, com intermitências de consciência, com uma generosidade e delicadeza incontroláveis até ao ridículo, astutos, comunicáveis até ao dislate, corajosos até à temeridade, orgulhosos até à petulância, humildes até à subserviência e ao complexo de inferioridade. As nossas virtudes têm assim o seu lado negativo, ou seja, o seu vício. É o que normalmente se explora para o pitoresco, o ruralismo edificante, o sorriso superior. Toda a nossa literatura popular é disso que vive.

Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa singularidade no limiar de uma «civilização planetária»? Que significa o regionalismo em face da rádio e da TV? O rasoiro que nivela a província é o que igualiza as nações. A anulação do indivíduo de facto é o nosso imediato horizonte. Estruturalismo, linguística, freudismo, comunismo, tecnocracia são faces da mesma realidade. Como no Egipto, na Grécia, na Idade Média, o indivíduo submerge-se no colectivo. A diferença é que esse colectivo é hoje o puro vazio.

 
VERGÍLIO FERREIRA (Gouveia, Portugal, 1916 – Lisboa, 1996), escritor, filósofo, ensaísta e professor,  in “Conta-Corrente 2” (Citador).

Imagem: “O Calcanhar de Aquiles” (1870) de Rafael Bordalo Pinheiro (Lisboa, Portugal, 1846 – 1905), caricaturista, jornalista, desenhador, ceramista e professor.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

CANCIONEIRO GERAL

 
 
 
 CANCIONEIRO GERAL

 Também conhecido pelo nome de «Cancioneiro de Garcia de Resende», ou «Cancioneiro Geral de Garcia de Resende», numa justa alusão ao seu compilador, a sua natureza situa-se já fora da poesia trovadoresca.
Diz-se que este Cancioneiro foi inspirado no «Cancioneiro de Baena» e no «Cancioneiro de Hernando del Castilho». Impresso em 1516, a sua produção poética, repartida por 286 autores, abrange os reinados de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel. E os temas principais da sua poesia são o lirismo religioso, poesia histórica e heroica, poesia didáctica e poesia satírica.

Um dos poemas do «Cancioneiro Geral», considerado dos mais belos, é da própria autoria de Garcia de Resende. São 22 décimas de redondilha, tendo por tema D. Inês de Castro e os seus amores trágicos com D. Pedro I.

 
in “Literatura Portuguesa”
***

Duas das 22 trovas que Garcia de Resende fez à morte de D. Inês de Castro:

 
Qual será o coração
tão cru e sem piedade,
que lhe não cause paixão
uma tão grã crueldade
e morte tão sem razão?
Triste de mim, inocente,
que, por ter muito fervente
lealdade, fé, amor
ao príncipe, meu senhor,
me mataram cruamente!

                    *
Dous cavaleiros irosos,
que tais palavras lh’ouviram,
mui crus e não piedosos,
perversos, desamorosos,
contra mim rijo se viram;
com as espadas na mão
m’atravessam o coração,
a confissão me tolheram:
este é o galardão
que meus amores me deram.

 

GARCIA DE RESENDE (Évora, Portugal, 1470 - 1536), poeta, cronista, músico, desenhista e arquitecto português.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

VIRGÍNIA QUARESMA - Primeira jornalista repórter portuguesa

 
 
 
VIRGÍNIA QUARESMA
(Elvas, Portugal,1882-1973 )

 PRIMEIRA JORNALISTA REPÓRTER PORTUGUESA
Trabalhou durante muitos anos nas redacções de O Século e a Capital. Fundou uma das primeiras agências de publicidade jornalísticas. Distinguiu-se na reportagem de acontecimentos políticos, nomeadamente, quando da implantação do regime republicano, em 1910.
Foi a primeira mulher que exerceu a profissão de jornalista em Portugal. Durante muito tempo, permaneceu no Brasil  onde igualmente exerceu grande actividade jornalística.

 in “Dicionário de Mulheres Famosas”

 ***
Palavras de Virgínia Quaresma
“Fui apenas uma redactora que amava o jornalismo e que vivia para a reportagem.”

 


segunda-feira, 25 de setembro de 2017

ARMANDINHO - Guitarrista

 
 
 
ARMANDINHO
(Lisboa, Portugal, 1891 - 1946)

 GUITARRISTA

Armandinho, apresentou-se pela primeira vez em público em 1905, com apenas 14 anos, no velho Teatro das Trinas, na Madragoa. Mas a sua estreia como guitarrista profissional tem lugar no Olímpia Club, situado na Rua dos Condes, acompanhado à viola por João da Mata Gonçalves.

Em 1925 acompanha cantadores e cantadeiras no Solar da Alegria, local de culto dos amantes do Fado que, amiúde, ali se deslocam para se deliciarem com as "improvisações" de Armandinho ou para ouvi-lo interpretar as composições do seu Mestre, Luís Petrolino.

Em 1926 faz a primeira gravação em Portugal em microfone de bobine eléctrica móvel. Grava seis composições, acompanhado na viola por Georgino de Sousa.

Armandinho foi dos primeiros a realizar digressões artísticas fora do continente português.

Músico autodidacta, toca de ouvido e, para além de um excelente executante, é também compositor de grandes melodias. Autor de muitos Fados e variações que sobrevivem até aos dias de hoje criou temas que se tornaram "clássicos", casos de "Fado Armandinho",  "Fado do Bacalhau", "Fado Mayer", "Fado Estoril", "Variações em Ré Menor", "Fado Fontalva", entre muitos outros.

São inúmeras as vozes fadistas que acompanhou quer em actuações em espectáculos e casas de fado quer em gravações discográficas.

Armandinho actuou nas mais emblemáticas casa de Fado de Lisboa.

As suas interpretações são suaves e subtis, incluem pianinhos que retirava da guitarra tocando com as suas próprias unhas e, para determinados efeitos tímbricos, recurso à surdina. Armandinho revelou-se um marco na execução da guitarra portuguesa, criando "escola" onde se filiaram outros grandes nomes como José Marques Piscalareta, Carvalhinho, José Nunes, Jaime Santos, Raul Nery ou Fontes Rocha, entre outros.

As suas interpretações tinham tal força que inspiraram ao poeta Silva Tavares as seguintes quadras:

 “A guitarra - alma da raça,
Amante do meu carinho,
Tem mais perfume e desgraça
Nas mãos do nosso Armandinho.


Benditos os dedos seus
Que arrancam assim gemidos
Tal como se a voz de Deus
Falasse aos nossos ouvidos.”

 ***
Palavras de Armandinho

A terceira «tournée» em que entrei, porventura a mais importante, já pelo número de artistas, já pelo reportório, foi ao Brasil, Argentina e Uruguai. Era a Embaixada do Fado, embaixada luzidia em que figuravam, além da minha humilde pessoa, Maria do Carmo, Maria do Carmo Torres, Lina Duval, Branca Saldanha, José dos Santos Moreira, Alberto Reis, Felipe Pinto, Joaquim Pimentel e Eugénio Salvador."

 
in “Museu do Fado” (excertos)

 

domingo, 24 de setembro de 2017

CASTRO ALVES - A cruz da estrada

 
 
 
CASTRO ALVES
(Bahia, Brasil, 1847 - 1871)

 Poeta

 A CRUZ DA ESTRADA

 
Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz dormir na solidão.

 
Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.

 
É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.
Deixa-o dormir no leito de verdura,
Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

 
Não precisa de ti. O gaturamo
Geme, por ele, à tarde, no sertão.
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.

Dentre os braços da cruz, a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu.
Chora orvalhos a grama, que palpita;
Lhe acende o vaga-lume o facho seu.
 
Quando, à noite, o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus.
Prende-se a voz na boca das cascatas,
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.


Caminheiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.


 

 


 


sábado, 23 de setembro de 2017

IRENE LISBOA - Jeito de escrever

 
 
 
IRENE LISBOA
(Casal da Murzinheira, Portugal, 1892 – Lisboa, 1958)

Pedagoga, escritora e poetisa

Professora primária, especializou-se em questões pedagógicas na Bélgica, em França e na Suiça.
Na Seara Nova publicou uma série de estudos, depois reunidos em  Inquérito ao Livro em Portugal, 1945-1946, em dois volumes.
Como ficcionista estreou-se em Treze Cantarelos, 1926.
No campo da poesia surgiu com Um Dia e Outro Dia, Outono, Havias de Vir e Folhas Volantes.
Publicou poemas, contos, crónicas e diários.
 

in “Grande Livro dos Portugueses”

***

Palavras de Irene Lisboa
“Peguei nesta pena e olhei para esta folha de papel tão grande que me parece que jamais terei com que a encher… e veio-me um desejo infantil de me livrar de mim mesma, de me esquecer de como vivo e de como sou, de deixar de me sentir o meu eterno centro e periferia… É uma desejo de ruptura de certa coisa permanente, invisível, em mim; de um estado moral nefasto.”
 
***
JEITO DE ESCREVER

 
Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.

Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.

Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!

Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas.
Mortas!

E por mais não ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro! Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,
solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...

Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?

Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro.
Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e
solidão.

Da indiferença.
Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.
Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.


in “Antologia Poética”



sexta-feira, 22 de setembro de 2017

ALBERT CAMUS – O Mito de Sísifo

 
 
 
ALBERT CAMUS
(Mondovi, Argélia, 1913 – Villeblevin, França, 1960)
 
Escritor, dramaturgo e filósofo
 
O MITO DE SÍSIFO
 
 
Sísifo, rei da Tessália e de Enarete, era o filho de Éolo. Fundador da cidade de Éfira, que mais tarde veio a chamar-se Corinto, e também dos jogos de Ístmia (ou Ístmicos). Sísifo tinha a reputação de ser o mais habilidoso e esperto dos homens e por esta razão dizia-se que era pai de Ulisses.
 
Sísifo despertou a ira de Zeus quando contou ao deus dos rios, Asopo, que Zeus tinha sequestrado a sua filha Egina. Zeus mandou o deus da morte, Tanatos, perseguir Sísifo, mas este conseguiu enganá-lo e prender Tanatos. A prisão de Tanatos impedia que os mortos pudessem alcançar o Reino das Trevas, tendo sido necessário que fosse libertado por Ares. Foi então que Sísifo, não podendo escapar ao seu destino de morte, instruiu a sua mulher a não lhe prestar exéquias fúnebres.
 
Quando chegou ao mundo dos mortos, queixou-se a Hades, soberano do reino das sombras, da negligência da sua mulher e pediu-lhe para voltar ao mundo dos vivos apenas por um curto período, para a castigar. Hades deu-lhe permissão para regressar, mas quando Sísifo voltou ao mundo dos vivos, não quis mais voltar ao mundo dos mortos. Hermes, o deus mensageiro e condutor das almas para o Além, decidiu então castigá-lo pessoalmente, infligindo-lhe um duro castigo, pior do que a morte.
 
Sísifo foi condenado para todo o sempre a empurrar uma pedra até ao cimo de um monte, caindo a pedra invariavelmente da montanha sempre que o topo era atingido. Este processo seria sempre repetido até à eternidade.
 
 
in “Infopédia”
 
 

 

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

PALAU DE LA MÚSICA CATALANA

 
 
 
 
PALAU DE LA MÚSICA CATALANA

Construído entre 1905 e 1908 pelo arquitecto Lluís Domènech i Montaner, o Palau de la Música Catalana constitui um património simbólico e sentimental de todo um povo que se identifica com a sua história.
A Sala de Concertos – uma das mais singulares do mundo – foi durante mais de um século o privilegiado cenário da vida concertística, nacional e internacional da cidade de Barcelona. Esta joia arquitectónica do Modernismo catalão é a única sala de concertos modernista declarada Património Mundial pela UNESCO (4 de Dezembro de 1997).

A Fundação Orfeão Catalã – Palau de la Música é a única gestora desde Janeiro de 2012.

 
in “Palau de la Música Catalana”