FERNANDO DACOSTA
(Caxito, Angola, 1945)
Romancista, dramaturgo, jornalista
Violência
silenciosa
Ciclicamente
a violência vem-nos à superfície. Com a passagem dos equinócios, sobretudo o do
Outono, ela evidencia-se em deflagrações circulares. Ferimos, matamos os que se
encontram mais próximos, os que nos amam e nos são amados – forma de nos
ferirmos, matarmos a nós próprios.
Tanatos
e Eros têm a mesma respiração, o estertor da morte é o outro lado do estertor
do sexo. Conciliamos com toda a naturalidade a grande violência, a da paixão (a
mais explosiva de todas) e a pequena violência, a do cinzentismo, a mais
normalizadora, asfixiante de todas.
A
nossa é «uma terra trágica», exclamava Manuel Laranjeira pouco antes de se suicidar:
«Chego a ter a impressão de que todos trazemos os olhos vestidos de luto por
nós mesmos. A única crença digna de respeito que temos é a crença na morte como
uma libertação!»
Portugal
nasceu de um acto agreste – a rebelião de um filho contra a mãe, derrotada
(mais o seu notável projecto de independência galaico-portuguesa) pelas armas.
A República nasceu de um acto brutal - o
assassínio de um Rei e do seu primogénito, numa emboscada, por revolucionários
radicais.
Os dois maiores mitos lusitanos, Pedro e Inês e
o Sebastianismo, brotaram de actos–limite.
Alguns
dos vultos cimeiros das letras, do pensamento, das artes deixaram destruir-se,
suicidando-se. O esclavagismo, a Inquisição, a História Trágico-Marítima, as
guerras coloniais, os totalitarismos são-nos elos de uma violência - mais
subterrânea do que ostentada, mais difusa do que definida – continua ao longo
dos séculos.
in
“Nascido no Estado Novo”
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