AUGUSTO ABELAIRA
(Coimbra, Portugal, 1926 - Lisboa, 2003)
Dramaturgo,
tradutor, jornalista
***
QUEM ERA NA VERDADE, FERNANDO PESSOA? (V)
Repito:
para que havia Pessoa de erguer um sistema, de escolher algo se em nada cria?
Pessoa vive, mais nada. Daí que lhe seja lícito erguer os raciocínios que
queira. Quem pode garantir que eles estejam errados? E então Pessoa pensa em
cada momento o que lhe agrada pensar nesse momento – sem se preocupar nunca com
a falta de coerência, de ligação de seus sucessivos raciocínios (isto é: de
seus sucessivos momentos).
Daí
que talvez seja ilegítimo colocar o problema da sinceridade a propósito de
Pessoa. (E não foi ele que o levantou?). Como não tem - nem deseja ter –
convicções firmes, escreve segundo as ideias que adopta no momento (e se alguma
coisa é, é sincero, sucessivamente sincero com os seus sucessivos momentos).
Quer dizer: Pessoa está ao abrigo daquilo a que Unamuno chamava a tirania das
ideias. Pessoa tinha ideias, não era tido por elas.
(continua)
in “Mundo Literário” – Semanário de Crítica e Informação Literária, Científica e Artística – 1947
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