domingo, 10 de março de 2019

AUGUSTO ABELAIRA - Quem era na verdade, Fernando Pessoa? (VIII)


AUGUSTO ABELAIRA
(Coimbra, Portugal, 1926 - Lisboa, 2003)
                  Dramaturgo, tradutor, jornalista     

***

QUEM ERA NA VERDADE, FERNANDO PESSOA? (VIII)

É ele mesmo que levanta o problema da sua sinceridade, ou não sinceridade, para mostrar que tem consciência de tudo, e sobretudo para fazer confusão (e um dos métodos que emprega é o dizer isto mesmo, com o intuito de com a verdade nos enganar). E talvez ele tenha pretendido nos dar a entender que era voluntariamente que fazia Reis pensar duma maneira, Campos doutra…

Mas não: Ele, Pessoa, é que pensava conforme os momentos e era sempre ele. Não se veja aqui, no entanto, a pretensa de negar que Pessoa tivesse acabado por ver, por viver todos esses heterónimos. Pessoalmente, creio que os viu, creio que acabou por viver com eles, conversar com eles – tal como em criança imaginara e acabara por fazer existir o Chevalier de Pas.

E aqui vejo eu o que diferencia dum Antero (o Antero que continha em si o Apolíneo e o Nocturno). É que enquanto Antero pôde ser Apolíneo e Nocturno sem dar por isso, ou pelo menos sem se sentir tão chocado por isso e sem ter a necessidade de mostrar ser sua obra, a obra de dois poetas, Pessoa teve essa necessidade. Enquanto um não teve tal necessidade, o outro teve-a. (Há aí a inconcebível diferença que há ser e não ser). 

Escrevendo de várias maneiras, Pessoa não se contentava em admitir uma só personagem Consciente da falta de espírito de sistema da sua obra escondia-se atrás de diversos heterónimos, dizendo: Foi porque eu quis que umas vezes disse branco, outras preto, outras encarnado…

O pior é que o ensaísta – salvo num ou noutro caso em que faz intervir Álvaro de Campos – se esqueceu disso. E eis-nos o próprio Pessoa a contradizer-se não poucas vezes, através de seus ensaios. Talvez porque, como poeta, fosse mais lúcido…
Ou então porque nada disto que eu disse corresponda à verdade. Também é uma hipótese (pelo menos tão justa como qualquer outra) …

Fim 



in “Mundo Literário” – Semanário de Crítica e Informação Literária, Científica e Artística – 1947


 




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