AUGUSTO ABELAIRA
(Coimbra, Portugal, 1926 - Lisboa, 2003)
Dramaturgo,
tradutor, jornalista
***
QUEM ERA NA VERDADE, FERNANDO PESSOA? (VIII)
É
ele mesmo que levanta o problema da sua sinceridade, ou não sinceridade, para
mostrar que tem consciência de tudo, e sobretudo para fazer confusão (e um dos
métodos que emprega é o dizer isto mesmo, com o intuito de com a verdade nos enganar). E talvez ele tenha pretendido nos dar a
entender que era voluntariamente que fazia Reis pensar duma maneira, Campos
doutra…
Mas
não: Ele, Pessoa, é que pensava conforme os momentos e era sempre ele. Não se
veja aqui, no entanto, a pretensa de negar que Pessoa tivesse acabado por ver, por viver todos esses heterónimos.
Pessoalmente, creio que os viu, creio que acabou por viver com eles, conversar
com eles – tal como em criança imaginara e acabara por fazer existir o
Chevalier de Pas.
E
aqui vejo eu o que diferencia dum Antero (o Antero que continha em si o
Apolíneo e o Nocturno). É que enquanto Antero pôde ser Apolíneo e Nocturno sem
dar por isso, ou pelo menos sem se sentir tão chocado por isso e sem ter a
necessidade de mostrar ser sua obra, a obra de dois poetas, Pessoa teve essa
necessidade. Enquanto um não teve tal necessidade, o outro teve-a. (Há aí a
inconcebível diferença que há ser e não ser).
Escrevendo de várias maneiras,
Pessoa não se contentava em admitir uma só personagem Consciente da falta de
espírito de sistema da sua obra escondia-se atrás de diversos heterónimos,
dizendo: Foi porque eu quis que umas vezes disse branco, outras preto, outras
encarnado…
O
pior é que o ensaísta – salvo num ou noutro caso em que faz intervir Álvaro de
Campos – se esqueceu disso. E eis-nos o próprio Pessoa a contradizer-se não
poucas vezes, através de seus ensaios. Talvez porque, como poeta, fosse mais
lúcido…
Ou
então porque nada disto que eu disse corresponda à verdade. Também é uma
hipótese (pelo menos tão justa como qualquer outra) …
Fim
in “Mundo Literário” – Semanário de Crítica e
Informação Literária, Científica e Artística – 1947
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