BEATRIZ COSTA
(Charneca do Milharado, Portugal, 1907
- Lisboa, 1996)
Actriz
de teatro e cinema
***
Perto
do Teatro da Trindade, em Lisboa, fica o célebre café "A Brasileira do Chiado".
Nessa
altura, uma senhora não frequentava lugares em que os homens permanecessem…
***
(continuação)
A BRASILEIRA
DOS ANOS 30!
Aquilino
Ribeiro, um desses colossos, que só a Beira nos dá. Foi um dos homens mais
dignos de quantos pisaram as pedras daquelas ruas por onde passou! Honrou-me e
respeitou-me até ao fim dos seus gloriosos últimos dias. Aldeia, de sua autoria, é um dos meus livros de cabeceira. Este
extraordinário escritor é pouco conhecido no Brasil. Talvez não tenha sido ele
o mais prejudicado… O apogeu deste «gigante» passou-se nessa época em que a
censura estraçalhava tudo! Foi pena…
Abel
Manta, pintor. Mestre que os jovens distinguem, porque é dos tais que nasceram
a sorrir e atravessam a vida de olho vivo e pé na terra! Civilizadíssimo e
culto. Passou uma grande parte da sua vida em França. Adora teatro. São do
melhor os seus cenários.
Mário
Eloy, pintor. Era amigo do Almada Negreiros, que era amigo de toda a gente. O
Mário tinha um ar de criança que tem medo da escuridão… Gostei dele desde o
primeiro instante, gostou de mim desde que me viu! Respirava inteligência e
tinha talento para esbanjar.
Começou o meu retrato de vestido cor-de-rosa, a
cor do amor e das meninas que vão nascer… A tela e as tintas foram compradas
por mim, pois o Mário vivia mais liso do que bola de bilhar. Sempre que o via
triste, já sabia que era falta de material de trabalho: telas, tintas e
pincéis. Fiz sempre o possível por lhe dar alegria. Às vezes saia da loja do
Chiado, a Joalharia Eloy de Jesus, com as lágrimas nos olhos.
Era considerado
pela família como desmiolado e às vezes negavam-lhe ajuda (hoje pedem fortunas
pelos quadros que herdaram…).
Começou a dar sinais dum nervosismo estranho…
Notei isso durante as sessões no atelier
da Rua Garrett. À medida que ia avançando o trabalho, mais se acentuavam os
sintomas da doença que o levaria jovem. O quadro estava a ficar maravilhoso! No
dia da última pose agarrou a espátula e cortou a tela em mil pedaços. Quando
avançou para me cortar também, já eu descia a escada com a velocidade dum Concorde. Disseram nessa altura que, por
ter gostado de mim, acabou no manicómio. Não é verdade. Foi um romance bonito,
mas não teve a importância que o Chiado lhe quis dar. Foi internado e eu saí de
Lisboa.
Em
frente do Café de Flore, em Paris, existe um quiosque que vende jornais
portugueses. Um dia comprei O Século
e foi a primeira notícia, que me chocou até às lágrimas: o Mário já não era de
ninguém!...
(continua)
(continua)
in “Sem Papas na Língua” – Memórias - 1974
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