domingo, 31 de março de 2019

BEATRIZ COSTA - A Brasileira dos anos 30 ! - (III)



BEATRIZ COSTA
(Charneca do Milharado, Portugal, 1907 - Lisboa, 1996)
Actriz de teatro e cinema

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Perto do Teatro da Trindade, em Lisboa, fica o célebre café "A Brasileira do Chiado".
Nessa altura, uma senhora não frequentava lugares em que os homens permanecessem…

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(continuação)

 A BRASILEIRA DOS ANOS 30!


Aquilino Ribeiro, um desses colossos, que só a Beira nos dá. Foi um dos homens mais dignos de quantos pisaram as pedras daquelas ruas por onde passou! Honrou-me e respeitou-me até ao fim dos seus gloriosos últimos dias. Aldeia, de sua autoria, é um dos meus livros de cabeceira. Este extraordinário escritor é pouco conhecido no Brasil. Talvez não tenha sido ele o mais prejudicado… O apogeu deste «gigante» passou-se nessa época em que a censura estraçalhava tudo! Foi pena…

Abel Manta, pintor. Mestre que os jovens distinguem, porque é dos tais que nasceram a sorrir e atravessam a vida de olho vivo e pé na terra! Civilizadíssimo e culto. Passou uma grande parte da sua vida em França. Adora teatro. São do melhor os seus cenários.

Mário Eloy, pintor. Era amigo do Almada Negreiros, que era amigo de toda a gente. O Mário tinha um ar de criança que tem medo da escuridão… Gostei dele desde o primeiro instante, gostou de mim desde que me viu! Respirava inteligência e tinha talento para esbanjar. 

Começou o meu retrato de vestido cor-de-rosa, a cor do amor e das meninas que vão nascer… A tela e as tintas foram compradas por mim, pois o Mário vivia mais liso do que bola de bilhar. Sempre que o via triste, já sabia que era falta de material de trabalho: telas, tintas e pincéis. Fiz sempre o possível por lhe dar alegria. Às vezes saia da loja do Chiado, a Joalharia Eloy de Jesus, com as lágrimas nos olhos. 

Era considerado pela família como desmiolado e às vezes negavam-lhe ajuda (hoje pedem fortunas pelos quadros que herdaram…). 

Começou a dar sinais dum nervosismo estranho… Notei isso durante as sessões no atelier da Rua Garrett. À medida que ia avançando o trabalho, mais se acentuavam os sintomas da doença que o levaria jovem. O quadro estava a ficar maravilhoso! No dia da última pose agarrou a espátula e cortou a tela em mil pedaços. Quando avançou para me cortar também, já eu descia a escada com a velocidade dum Concorde. Disseram nessa altura que, por ter gostado de mim, acabou no manicómio. Não é verdade. Foi um romance bonito, mas não teve a importância que o Chiado lhe quis dar. Foi internado e eu saí de Lisboa.

Em frente do Café de Flore, em Paris, existe um quiosque que vende jornais portugueses. Um dia comprei O Século e foi a primeira notícia, que me chocou até às lágrimas: o Mário já não era de ninguém!... 

(continua)



in “Sem Papas na Língua” – Memórias - 1974
                                

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