sexta-feira, 29 de março de 2019

CABRAL DO NASCIMENTO - Teatro


CABRAL DO NASCIMENTO
(Funchal, Madeira, Portugal, 1897 - Lisboa,1978)
Poeta, tradutor, historiador

***
TEATRO

Era uma vez um menino 
Em seu jardim a brincar.
(Brincar, brincar, não brincava,
Sempre, sempre a meditar!)
Os outros vinham de longe
E a correr, para o levar.
(Correr, correr, não corria,
Porém ficava a cismar).
Na tarde de oiro se ouviam
Seus gritos enchendo o ar.
(Ele gritar não gritava,
Mas calava-se a pensar).
O mundo andava de roda
E tudo em volta a girar!
(Ele, porém, ali estava
Só a ver, a contemplar).
E tudo quanto se via,
E tudo quanto passava,
Nos seus olhos se detinha,
Na sua alma ficava.

Tenho sido espectador
E toda a vida o serei.
Ah, estar de fora da dor,
Aquém do palco do riso,
Longe da arena do mundo!
É insensatez? É juízo?
É bom? É mau? Não no sei.

Mas quanto drama profundo,
Devagar, devagarinho,
Sem voz, sem gesto, sem cor,
Se infiltra tão de mansinho
Na alma do espectador!

 



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