domingo, 28 de abril de 2019

BEATRIZ COSTA - 'A Brasileira do Chiado dos Anos 30'! - (VII)


BEATRIZ COSTA
(Charneca do Milharado, Portugal, 1907 - Lisboa, 1996)
Actriz de teatro e cinema

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Perto do Teatro da Trindade, em Lisboa, fica o célebre café ‘A Brasileira’ do Chiado.
Nessa altura, uma senhora não frequentava lugares em que os homens permanecessem…

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A BRASILEIRA DO CHIADO DOS ANOS 30!


Diogo de Macedo, escultor, crítico de arte e director do Museu de Arte Contemporânea de Lisboa. Um dos meus melhores amigos. É dele o célebre busto em que eu estou de lábios pintados de vermelho forte. Essa obra deu que falar. Lamento não ter ficado com a magnífica escultura em que eu estou tão bem retratada no mármore. Com ele aprendi a gostar de pintura. Indicava-me livros de arte e, várias vezes me emprestou os mais caros da sua biblioteca, como a Enciclopédia Skira, os álbuns de grandes mestres e biografias.

Gualdino Gomes, director da Biblioteca Nacional, talvez por ter vivido nessa fartura não deixou um livro seu. Só as recordações d´A Brasileira dessa época davam um volume de muitas páginas! Gualdino era mestre de espírito. Vestia-se sempre de negro; impecavelmente escovado. Usava chapéu de modelo especial, uma espécie de mazantini, mas de feltro mole, e uma bela capa preta de corte londrino. Era exactamente aquela figura do reclame do vinho do Porto Sandeman que vem na Vogue. Acredito que tenha sido ele o motivo de inspiração para o artista que desenhou o anúncio, que tanto brilha na Quinta Avenida de Nova Iorque.

Bernardo Marques, que o Brasil conheceu e aplaudiu, era um artista ímpar. No Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro estiveram expostas durante vários dias algumas das suas obras mais representativas. Infelizmente, foi uma homenagem póstuma, pois o grande artista suicidou-se por motivos ignorados na sua residência em Lisboa.

Almada Negreiros, um dos mais ilustres frequentadores d´A Brasileira. Homem de mil talentos. Pintor, poeta, teatrólogo, cenarista, etc. Casado com Sara Afonso, pintora vitoriosa, não teve dúvida em se apagar como artista para se dedicar à «construção» da felicidade deste homem magnífico. Não frequentava A Brasileira, raras vezes aparecia, mas quando o fazia trazia com ela aquele sorriso tão nosso, tão português.

Silva Tavares, poeta popular de grande valor, aparecia n´A Brasileira, mas nem sempre se sentava. Um dia escreveu-me um bilhete com a seguinte quadra:

Se o homem lá tiver giz
E pedra para escrever,
Podes pedir, Beatriz,
Um café para eu beber?

Foi um homem que teve as suas dificuldades na vida, mas acabou nos braços da glória. São célebres as letras que fez para algumas das mais belas canções da época.
Foi muito criticado por estes versos da canção «O Dia da Espiga», da revista O Cabaz de Morangos:

Maria,
          São teus olhos azeitonas,
Cachopa,
          Os teus lábios qual cereja!
          E os teus seios cachos d´uvas, que abandonas
          Á vindima desta boca que os deseja!

Ora todos sabem que os cachos de uva pendem da parreira… Daí a crítica aos seios caídos da cachopa. Fez o meu retrato em quatro versos de sete sílabas, que é uma perfeição:

Eu gosto da Beatriz,
           Acho-lhe uma graça imensa!
        Não pensa aquilo que diz…
     Mas diz aquilo que pensa.

(continua)


in “Sem Papas na Língua” – Memórias - 1974
 


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