JOÃO GASPAR SIMÕES
(Figueira da Foz, Portugal,
1903 — Lisboa, 1987)
Dramaturgo, crítico
literário, tradutor
***
DA CULTURA E DA ERUDIÇÃO (III)
(continuação)
Entre o tradicionalista e o erudito há, portanto, este
ponto de união: ambos obedecem a uma situação de facto – para continuar
com Max Scheler – e ambos rejeitam a comunicação, quer dizer, o processus
de recriação individual das experiências e ensinamentos alheios.
E aqui
lembramos Freud. A psicanálise faz consistir o seu processo de cura em trazer o
doente até ao limiar dos acontecimentos recalcados. Uma vez aí, o doente revive
esses acontecimentos – e liberta-se. Eis de que parecem o tradicionalista e
o erudito: qualquer deles precisa de reviver as experiências acumuladas
(recalcadas no tradicionalista; acumuladas, no erudito).
É a falta de uma
aceitação experimental, viva, que produz a secura e a esterilidade do erudito;
é da recepção tácita do passado e da sua devolução para o subconsciente, que
nasce o automatismo e o fatalismo do tradicionalista. A um e outro falta, em
conclusão, a realização viva e individual das experiências e dos
conhecimentos recebidos.
Eis porque o homem culto é inimigo da tradição. A
cultura é um progresso do espírito – uma permanente excitação das forças da
inteligência.
(continua)
in – “PRINCÍPIO” – Publicação de Cultura e Política – 1930 – Renascença Portuguesa
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