segunda-feira, 23 de setembro de 2019

ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA – Saudade de um corpo




ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA
(Viana do Castelo, Portugal, 1923 - Lisboa, 2010)
Poeta, dramaturgo, encenador

***

SAUDADE DE UM CORPO

Os nossos corpos tinham não sei que primavera,
Quando em noites de Maio, na influência da lua,
Florescia entre nós um silêncio de espera,
Se a minha mão pousava na tua.

Tímidos e febris, só os sentidos falavam,
Até que a tua voz, expulsando o torpor,
Receosa, talvez, de uns passos que passavam,
Se punha a divagar sobre a noite e o calor.

Nunca nos acalmou a frescura de um beijo
É feliz a amizade! E o amor é tão sério
Que cada um guardou, para si, o desejo,
Temendo ver voar a asa do mistério.

Arrependido? Sim: preferia recordar
Um corpo saciado, a um corpo reprimido;
O momento fremente de o despir e enlaçar
E de o sentir ranger, como range um vestido.










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