ARMANDO CORTEZ
(Lisboa, Portugal, 1928-2002)
Actor, encenador
***
CARTA
AO PRESIDENTE DA CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE ESPECTÁCULOS - 1963
Excelentíssimo Senhor,
Com
os meus melhores cumprimentos, venho junto de V. Exa. expor e solicitar o
seguinte:
Há
já bastante tempo tenho necessidade de duas placas dentárias para substituir um
velho e desadaptado aparelho que há anos trago na boca, com prejuízo para as
gengivas e restantes dentes.
Consultei
para o efeito, há poucos meses, o Exmo. Sr. Dr. Oliveira Pinto, no Centro de
Medicina Dentária, que estudou o trabalho de prótese a efectuar, e o orçamentou
em 1.900 escudos. Como se tratava de uma verba incompatível com as minhas
possibilidades financeiras, nessa mesma altura telefonei para a Caixa, a
informar-me da viabilidade de me serem por ela pagas as referidas placas
dentárias.
Informou-me
o funcionário que então me atendeu, de que eu teria de escrever a V. Exa. uma
carta, formulando esse mesmo pedido e dizendo:
-
Porque razão eu desejava duas placas dentárias.
-
A que se destinavam as mesmas.
-
Em quanto importava o seu custo.
Passo,
portanto, a esclarecer estes três importantes e nebulosos pontos:
-
Desejo duas placas dentárias porque me faltam os meus próprios dentes.
- Destinam-se as mesmas a
ser aplicadas, uma ao maxilar inferior, outra ao maxilar superior, para assim
menos custosamente eu proceder à mastigação dos alimentos possíveis de adquirir
com os meus honorários depois de deduzidos: 5,5% para a Caixa de Previdência,
1,5% para o Fundo de Desemprego e recentemente mais 1% para o imposto
Profissional.
Objectarão
talvez os esclarecidos Serviços dessa Caixa que eu poderia alimentar-me de
papas e bolos, dispensando-me assim o luxo de ostentar dentes que não são meus.
De bom grado me sujeitaria a isso, com todos os prejuízos, se não se
sobrepusesse um problema de ordem profissional: é que eu sou Actor, e os dentes
se me tornam indispensáveis à mecânica da articulação de sons e palavras, isto
é: - à Dicção! A isto poderão ainda os mesmos esclarecidos Serviços objectar
que não são os dentes tão necessários à articulação quanto eu pretendo, porque…
Eu sei ao que os Serviços se querem referir, mas a minha formação moral e o meu
sentido de camaradagem repudiam energicamente a sugestão de me propor ao ÚNICO
cargo em Portugal em que um actor sem dentes pode ganhar a sua vida: o de
Professor de Arte de Dizer do Conservatório Nacional. Além disso, se as coisas
de facto assim se passaram durante alguns anos (pelo menos enquanto durou o meu
curso), já há muito tempo que esse assunto foi revisto e resolvido por razões
de ordem trófica e possivelmente didáctica.
-
Importa o seu custo em 1.900 escudos, conforme documento que se junta, escrito
pelo punho do Exmo. Sr. Dr. Oliveira Pinto, e que poderá em qualquer altura ser
confirmado pelo Centro de Medicina Dentária, na Calçada Bento Rocha Cabral em
Lisboa.
Estou informado
particularmente, não sei se bem se mal, de que é hábito as Caixas de
Previdência só liquidarem este género de despesas depois destas estarem pagas
pelos beneficiários. Parece-me isso tão absurdo que não quero crer que assim
seja. Se eu faço à minha Caixa de Previdência este pedido é porque, em função
da minha profissão, acho inteiramente justo que ele me seja deferido, e por não
ter eu possibilidades financeiras de arcar com essa despesa.
Ora se eu for pagar primeiro, para depois a Caixa me pagar a mim, (para o que careceria, evidentemente, de instrumento material) passo automaticamente da situação de beneficiário à de beneficiante. Invertem-se completamente os papéis e as funções de um e de outro: passo eu a ser uma espécie de Previdência da Caixa, e não creio que a Caixa dos Profissionais de Espectáculos ou qualquer outra, esteja na situação crítica de recorrer a favores pessoais para cumprir a sua missão.
Ora se eu for pagar primeiro, para depois a Caixa me pagar a mim, (para o que careceria, evidentemente, de instrumento material) passo automaticamente da situação de beneficiário à de beneficiante. Invertem-se completamente os papéis e as funções de um e de outro: passo eu a ser uma espécie de Previdência da Caixa, e não creio que a Caixa dos Profissionais de Espectáculos ou qualquer outra, esteja na situação crítica de recorrer a favores pessoais para cumprir a sua missão.
É essa medida tomada, segundo me dizem, para obstar ao facto, que
considero vergonhoso, de alguns beneficiários darem a esse dinheiro outro
destino que não aquele para que ele é solicitado. Para evitar delongas, e
situações insolúveis, desde já me permito sugerir a V. Exa. que os respectivos
serviços dessa Caixa entrem directamente em contacto com o Centro de Medicina
Dentária, e directamente tratem a liquidação do custo do aparelho, de que
urgentemente necessito, pelo que solicito a possível brevidade na apreciação
desta pretensão, que me permito submeter ao alto critério de V. Exa. por a
achar a todos os títulos justa.
Com os protestos da minha
maior consideração, tenho a honra de me subscrever,
De
V. Exas.
Atentamente
Armando Cortez
in “Armando Cortez -1928-2002”
in “Armando Cortez -1928-2002”
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