quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

RAMALHO ORTIGÃO – O Presépio



RAMALHO ORTIGÃO
(Porto, Portugal, 1836 - Lisboa, 1915)
Escritor

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O PRESÉPIO

O objecto do culto, da admiração, do entusiasmo, do enlevo dos pequenos do meu tempo era o velho presépio, tão ingénuo, tão profundamente infantil, tão cheio de coisas risonhas, pitorescas, festivas, inesperadas.

Era uma grande montanha de musgo, salpicada de fontes, de cascatas, de pequenos lagos, serpenteada de estradas em ziguezagues e de ribeiros atravessados de pontes rústicas. Em baixo, num pequeno tabernáculo, cercado de luzes, estava o divino bambino, loiro, papudinho, rosado como um morango, sorrindo nas palhas do seu rústico berço, ao bafo quente da benigna natureza representada pela vaca trabalhadora e pacífica e pela mulinha de olhar suave e terno.

A Santa Família contemplava em êxtase de amor o delicioso recém-nascido, enquanto os pastores, de joelhos, lhe ofereciam seus presentes, as frutas, os frângãos, o mel, os queijos frescos.

A grande estrela de papel doirado, suspensa do tecto por um retrós invisível, guiava os três reis magos, que vinham a cavalo descendo a encosta, com as suas púrpuras nos ombros e as suas coroas na cabeça.




in “Farpas I”
Imagem: Ramalho Ortigão, por Columbano - Museu Grão Vasco - Viseu





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