segunda-feira, 20 de abril de 2020

AFONSO DUARTE - Grito



AFONSO DUARTE
(Ereira, Portugal, 1884 - Coimbra, 1958)
Poeta

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A sua inspiração, embora entranhadamente tradicionalista, desenvolve-se em função de uma permanente preocupação de novidade, traduzida sobretudo numa simplificação de riqueza imagística, numa busca de interioridade e num aprofundamento do estar perante o mundo envolvente.

in “Livro dos Portugueses”

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GRITO

Não posso já com ervas nem com árvores:
Prefiro os lisos, frios mármores
     Onde nada está escrito.

Meu gosto da paisagem fez-se escuro;
Nenhures é o lugar que mais procuro
     Como homem proscrito.

Eu bem sei: A verdura! A flor! Os frutos!
Mas não posso passar de olhos enxutos,
     Meu campo verde aflito.


Porventura cegaram os meus olhos
Porque há nos silveirais flores aos molhos
      - Tanta flor me tem dito.

Mas eu bem sei que movediços lodos
Que são o chão, as lágrimas de todos,
     Meu coração contrito.

Eu não sei se amanhã será meu dia;
Recolho-me furtivo na poesia,
     Incerto o chão que habito.

Ai de mim! Ai de mim, nuvem medonha!
Os homens conheci, bebi peçonha,
     E é por isso que grito.







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