domingo, 31 de janeiro de 2021

ALDEIA DA ROUPA BRANCA




ALDEIA DA ROUPA BRANCA

Ai rio não te queixes
Ai o sabão não mata
Ai até lava os peixes
Ai põe-nos cor de prata
Roupa no monte a corar
Vê lá bem tão branca e leve
Dá ideia a quem olhar
Vê lá bem que caiu neve

Água fria, da ribeira
Água fria que o Sol aqueceu
Ver a aldeia traz à ideia
Roupa branca que a gente estendeu
Três corpetes, um avental
Sete fronhas e um lençol
Três camisas do enxoval
Que a freguesa deu ao rol

Ai rio não te queixes
Ai o sabão não mata
Ai até lava os peixes
Ai põe-nos cor de prata
Olha ali o enxoval
Vê lá bem de azul da esperança
Parece o monte um pombal
Vê lá bem que pombas brancas

Ai rio não te queixes
Ai o sabão não mata
Ai até lava os peixes
Ai põe-nos cor de prata
Um lençol de pano cru
Vê lá bem tão lavadinho
Dormimos nele, eu e tu
Vê lá bem, está cor de linho





Letra: Ramada Curto, Chianca de Garcia
Música: Raul Portela
Intérprete: Beatriz Costa
Filme: Aldeia da Roupa Branca







sábado, 30 de janeiro de 2021

MAS AFINAL, O QUE É INTELIGÊNCIA?

 


MAS AFINAL, O QUE É INTELIGÊNCIA?

 

Quando estava no exército, fiz um desses testes de aptidão intelectual que todos os soldados realizam. Minha pontuação foi de 160, o normal é 100. Ninguém na base tinha visto uma nota dessas e durante duas horas eu fui o assunto principal.

(Não significou nada – no dia seguinte eu ainda era um soldado raso da KP – Kitchen Police)

Durante toda minha vida consegui notas como essa, o que sempre me deu uma ideia de que eu era realmente muito inteligente. E eu imaginava que as outras pessoas também achavam isso.

Porém, na verdade, será que essas notas não significam apenas que eu sou muito bom para responder um tipo específico de perguntas académicas, consideradas pertinentes pelas pessoas que formularam esses testes de inteligência, e que provavelmente têm uma habilidade intelectual parecida com a minha?

Uma vez conheci um mecânico de automóveis que de acordo a minha estimativa não poderia superar os 80 pontos nessas provas de inteligência. Sempre tive a certeza que era bem mais inteligente que ele.

Entretanto, quando acontecia algo errado com o meu carro eu observava com ansiedade enquanto ele analisava o meu carro, enquanto proferia termos para mim desconhecidos, mas que levava em conta como se ele fosse um sábio em um oráculo divino. No fim das contas, ele sempre consertava meu carro.

Pois bem, vamos supor que meu mecânico tivesse feito as perguntas para um teste de inteligência. Ou quem sabe fossem formuladas por um carpinteiro, ou por um agricultor, ou, de facto, qualquer pessoa que não tivesse uma vida académica.  Qualquer uma dessas pessoas que fizesse o teste comprovaria minha completa ignorância e estupidez.

Em um mundo onde eu não pudesse usar a minha formação académica e meus talentos verbais, mas tivesse que fazer algo complicado ou difícil, manualmente, eu me daria muito mal.

Minha inteligência, então, não é absoluta,  mas é algo imposto em uma função de uma pequena parcela da sociedade em que vivo.

Ainda sobre o mecânico.

Ele tinha o costume de contar-me piadas sempre que me encontrava. Uma vez levantou a cabeça debaixo do capô do carro para dizer:

– Doutor, um garoto surdo-mudo entrou em uma loja de ferragens para pedir pregos. Pôs dois dedos juntos sobre o balcão e depois fez um movimento de martelar com a outra mão. O empregado trouxe-lhe um martelo. Sacudiu a cabeça e assinalou os dois dedos que estava martelando. O empregado trouxe-lhe os pregos. Escolheu o tamanho que queria, e se foi. Bom, doutor, logo depois entrou um cego na loja. Queria tesouras. Como acha que lhe perguntou pediu por elas?

Rapidamente levantei a mão direita e fiz uns movimentos com os dedos simulando uma tesoura. Ele caiu em gargalhadas e disse:

– Mas você é muito burro mesmo! Ele simplesmente abriu a boca e usou a voz para pedir.

Depois de recuperar o fôlego, o mecânico disse:

– Estou fazendo essa pegadinha com todos os clientes hoje.

– Muitos caíram?

– Poucos. Mas tinha certeza absoluta de que funcionaria com você.

– Por quê? – perguntei.

– Porque você estudou muito doutor, sabia que não podia ser muito inteligente.

E eu tive a incómoda sensação de que ele estava falando a verdade.



ISAAC ASIMOV (Rússia, 1919 – EUA, 1992)

Texto retirado de sua autobiografia It’s Been a Good Life.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

FREDERICK FORSYTH



FREDERICK FORSYTH
(Reino Unido, 1938)
Escritor

***

Quando o Muro de Berlim foi derrubado, muitas pessoas interrogaram-se sobre se isso significaria o fim dos romances de espionagem. No entanto, Frederick Forsyth, um dos mais famosos autores mundiais do género, nunca teve dúvidas. Ele sabia que as animosidades de longa data sobreviveriam aos esforços diplomáticos para as disfarçar, e, na verdade, pouco tempo depois, o desmascarar do infame espião Aldrich Ames veio dar-lhe razão.

O autor descreve vividamente os seus objectivos como escritor, comparando a arena política com uma representação teatral:

- Nós, os contribuintes e votantes comuns, sentamo-nos nas bancadas olhando para o palco. O pano sobe e nós assistimos a uma actuação, seja uma sessão parlamentar, seja uma conferência de imprensa. Mas nós só vemos o que os produtores querem que vejamos. O que eu tento fazer é tomar o leitor pela mão e dizer-lhe: «Venha comigo aos bastidores e eu mostro-lhe as mesmas pessoas sem as perucas, sem a maquilhagem, antes de terem tempo de ensaiar o que vão dizer. Eu mostro-lhe como as coisas são na realidade…»

Como é que ele consegue esse tipo de informação? Falando com quem sabe. No caso de Ícone, isso implicou falar com agentes arrependidos do KGB, fontes dos serviços pensionários britânicos, ex-superiores de Aldrich Ames na CIA, visitas a Moscovo e a leitura de um sem número de publicações. Mas a espionagem em geral não terá sofrido uma redução desde o fim da guerra fria?

- Pelo contrário – diz Frederick Forsyth. – Andam mais atarefados que nunca. Está a acontecer tanta coisa…

Nos intervalos da escrita ou da investigação, Forsyth dedica-se à criação de carneiros na sua herdade do Hertfordshire, onde vive com a mulher, Sandy.

- No fundo eu não passo de um simples camponês – comenta o autor.

 

in “Ícone"                 

Imagem: retrato de Frederick Forsyth por Zsuzsi Roboz



 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

CONTRA AS LEIS





CONTRA AS LEIS


A partir de hoje penduro ao pescoço
Com uma corda de crina o relógio que marca as horas;
A partir de hoje cessam o curso das estrelas
E do sol, e o canto do galo e a sombra;
E tudo aquilo que a hora nunca anunciou
Está agora mudo, surdo e cego:
Toda a natureza se cala para mim
Diante do tiquetaque da lei e da hora.



FRIEDRICH NIETZSCHE (Alemanha, 1844 – 1900), in "A Gaia Ciência".




quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

O BOM ESCRITOR




O BOM ESCRITOR


Todos os bons livros assemelham-se no facto de serem mais verdadeiros do que se tivessem acontecido realmente, e que, terminada a leitura de um deles, sentimos que tudo aquilo nos aconteceu mesmo, que agora nos pertencem o bem e o mal, o êxtase, o remorso e a mágoa, as pessoas e os lugares e o tempo que fez. Se conseguires dar essa sensação às pessoas, então és um bom escritor.




ERNEST HEMINGWAY, (EUA, 1899 – 1961), in "Escrito de um Velho Jornalista”


terça-feira, 26 de janeiro de 2021

CARTA DE MÁRIO DE ANDRADE À MÃE



CARTA DE MÁRIO DE ANDRADE À MÃE

 

     Rio, 25-X-40

     Mamãe

    Desta vez estou lhe escrevendo só pra lhe fazer uma porção de recomendações. É a respeito das minhas roupas etc. Imagine que da última vez que vim d’aí trouxe a minha capa cinzenta que deixara em São Paulo antes, e qual não foi a minha raiva de perceber que estava toda comida de traça, com vários buraquinhos. É verdade que ela estava pra fora, pendurada no cabide da parede e não dentro do guarda-roupa. Mas acho bom a Senhora examinar bem os meus sobretudos e dar uma boa orvalhada de flit neles.

    Também outra coisa que eu queria era que a Senhora tratasse aí um engraxate pra engraxar todos os meus sapatos. Porque deixados assim o couro resseca, ao mesmo tempo que o bolor come a graxa e depois o couro quebra com facilidade. E não quero perder minha sapatada.

    Desculpe estar lhe dando estas caceteações, mas falo tudo de uma vez porque sempre me esqueço de lembrar essas coisas, quando lhe escrevo. Mas o fato de ficar com minha capa quase perdida me contrariou muito. [...]

[Acervo da família]

 

 

in “Casa Mário de Andrade”- Brasil




 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

HINO À NOSSA MÃE FERTILIDADE




HINO À NOSSA MÃE FERTILIDADE
(América, Astecas)


O meu coração é uma flor com a corola aberta
no centro da noite.
No jardim original nasceu o Um-Flor,
deus do milho,
da vossa fértil mãe nasceu o deus do milho.
Lá onde se engendram os filhos dos homens,
na região das flores e dos peixes de esmeralda,
nasceu o Um-Flor,
e vai agora levantar-se a aurora,
o dia vai resplandecer.

A Árvore Florida está de pé no centro da terra,
está cercada de pássaros.
Levo comigo a flor púrpura como a nossa carne,
a flor branca e perfumada, a flor
de onde se erguem todas as flores da terra,
na sagrada cerca redonda como um anel de jade.
E trazem o deus-criança vestido de plumas amarelas
para as mansões da noite, as mansões profundas e negras.



Tradução: Herberto Helder
Imagem: deusa-mãe, com mais ou menos 8.000 anos. Representa a mulher dando à luz no meio de duas leoas.




domingo, 24 de janeiro de 2021

CARL GUSTAV JUNG




CARL GUSTAV JUNG
 (Suíça, 1875 - 1961)

***

Psicólogo suíço que rompeu com o seu associado Sigmund FREUD para se dedicar ao desenvolvimento das suas próprias teorias.

JUNG rejeitava a ênfase posta por Freud na sexualidade como motor humano fundamental, tentando por sua vez entender a mente inconsciente pela análise do profundo simbolismo das experiências religiosas, dos mitos e dos sonhos.

Muitos destes símbolos são originários do INCONSCIENTE COLECTIVO humano, que Jung acreditava ser composto de «arquétipos» - ideias e valores inconscientes herdados.

Ao estudar a personalidade. Jung criou as expressões EXTROVERTIDO e INTROVERTIDO, e identificou a existência de um traço feminino nos homens (a anima) e de um traço masculino nas mulheres (o animus).

Uma parte da psicoterapia de Jung, que tentou instilar um sentido de harmonia entre o paciente e a raça humana, influenciou muitos grupos NEW AGE.





in “Dicionário do Conhecimento”

sábado, 23 de janeiro de 2021

OPORTUNISTAS LITERÁRIOS




OPORTUNISTAS LITERÁRIOS


O egoísmo de pessoas ligadas ao meio cultural bloqueava, porém, frequentemente Natália Correia, sem grande jeito para se lhe esquivar.

O ambiente literário é vezeiro na lisonja, no ardil, na hipocrisia. Os críticos, esses, ora ajudavam à festa (nos então poderosos suplementos literários), ora tentavam pôr água na fervura.

Os pedidos dos outros impulsionavam Natália, mas quando os percebia manipuladores, derrubavam-na. Uma senhora do Sul, professora e poetisa, contacta-a no Botequim para lhe pedir uma opinião sobre versos que acabara de apurar.

«Diga sinceramente o que acha, mesmo que não os considere bons», insistia, envolvente, a autora. «Eu digo sempre o que penso», ripostou-lhe a interpelada.

Dias depois, novo contacto: «Podia escrever umas palavrinhas … com a sua referência na capa o editor publicava o livro.» Foram redigidas.

Dias depois, outra vez ela: «Estou tão feliz que, se concordasse, punha o que escreveu como prefácio, bastavam mais umas linhazitas.» Foram as linhazitas.

Dias depois, ao telefone: «O livro ficou uma maravilha, todos dizem que só a Natália o pode apresentar, pode?» Pôde. Lá fomos, despesas à nossa custa, ao Sul.

Semanas mais tarde: «A edição está quase esgotada, aconselham-me agora a procurar uma grande editora que lance a minha obra além-fronteiras, mas como não tenho contactos lembrei-me, se não for abuso, que a minha boa amiga podia dar uma palavrinha a …»
Natália desligou a chamada. Depois berrou, gesticulou. A indignação nela era por vezes apoteótica. Passada, porém, voltava a repetir tudo – e nós com ela.




in “O Botequim da Liberdade” – FERNANDO DACOSTA     
Imagem: pintura de NUNO VIEGAS





sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

PRIMEIRA MAESTRINA PORTUGUESA



NATÉRCIA COUTO
(Barreiro, Portugal, 1924 – Lisboa, 1999)

***

Maestrina, compositora, poetisa e escritora. 

Fez os cursos de Piano e de Composição no Conservatório Nacional de Música, de Lisboa. Depois, frequentou os Conservatórios da Música de Madrid, e o de Salzburgo.

Em 1946, foi bolseira do governo espanhol na Universidade de Santander, e, em 1948, foi admitida, por concurso, no Conservatório Nacional de Paris, obtendo o primeiro lugar, para fazer os estudos de regência de Orquestra.

Regeu várias orquestras: Sinfónica do Maio Florentino, da Rádio Nacional de Madrid, de Colonne (Paris), Orquestra Filarmónica de Lisboa, a Sinfónica Nacional de Lisboa e a do Porto, Orquestra da ex-Emissora Nacional, etc.



in “Dicionário de Mulheres Célebres”


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A TRISTEZA VENDE





A TRISTEZA VENDE


O compositor polaco Henryk Górecki acaba, em 1976, a composição da sua Sinfonia n.º 3, intitulada «das lamentações».

Escrita para soprano e orquestra, consta de três extensos andamentos lentos que põem música a outros tantos poemas de procedência diversa: o primeiro, uma lamentação do século XV; o segundo, a prece de uma jovem de 18 anos, encontrada numa cela da Gestapo em Zakopane, e a terceira, uma canção folclórica polaca.

A obra é bem recebida, mas muito poucos, incluindo o próprio Górecki, podiam suspeitar a extraordinária difusão que a partitura conheceria quinze anos mais tarde, em 1991: uma gravação protagonizada pela soprano Dawn Upshaw tornou-se o disco revelação do ano e durante várias semanas disputou às últimas novidades do pop e do rock o número um nas listas de vendas de todo o mundo.




in “Crónica da Música”

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

QUEM ÉS TU?




QUEM ÉS TU?


A tradição zen, no Japão, conta que um discípulo perguntou ao mestre Tchaotchan como havia de se libertar do ciclo do nascimento e da morte.

O mestre fechou os olhos, ergueu a sua tigela de chá e perguntou:

- Quem és tu?
- Sou o Ts´en-Tchen.
- Portanto, não és uma sombra.
- É possível.
- És uma sombra.
- É possível.
- Portanto não és uma sombra.




in “Tertúlia de Mentirosos” – Jean-Claude Carrière



terça-feira, 19 de janeiro de 2021

MALA-POSTA



MALA-POSTA

Viatura de viagem para transporte do correio. É composta por três corpos: um coupé à frente, uma rotunda ou berlinda atrás e, ao centro, uma caixa destinada ao correio. Fabricado em 1854 por Jones Frères, Bruxelas.

Os compartimentos dianteiro e traseiro serviam para o transporte de passageiros.

O tejadilho, onde eram colocadas as malas dos viajantes, é rodeado por um gradeamento de protecção.

No cimo do coupé encontra-se o banco do cocheiro com a respectiva tábua.

Em cada um dos lados existe uma lanterna.

A Mala-posta é pintada de preto e vermelho escuro tendo nas portinholas da caixa central as palavras “Correio Nº 7” encimadas pelas armas reais portuguesas. Foi utilizada na carreira entre Lisboa e o Porto.





Fonte “Museu Nacional dos Coches”



segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

GOLPE DE MISERICÓRDIA




GOLPE DE MISERICÓRDIA


Aquiles avança para desferir um golpe mortal em Heitor, herói troiano.
A cena, do poema épico de Homero Ilíada, foi pintada num vaso grego do século V a. C.




in “Conhecimento Essencial”




domingo, 17 de janeiro de 2021

MUSEU CASA DE CORA CORALINA




MUSEU CASA DE CORA CORALINA


Após a morte da poetisa, amigos e parentes se reuniram e criaram a “Associação Casa de Cora Coralina” em 27 de Setembro de 1985. 

O Estatuto tem como finalidade: projectar, executar, colaborar e incentivar actividades culturais, artísticas, educacionais, ambientais, visando, sobretudo, a valorização da identidade sociocultural do povo Goiano, bem como preservar a memória e divulgar a vida e a obra de Cora Coralina.

O Museu Casa de Cora Coralina foi inaugurado no dia 20 de Agosto de 1989, data comemorativa dos 100 anos de nascimento da poetisa.

O acervo doado pela família, é constituído de objectos pessoais, manuscritos, datiloscritos, hemeroteca, fotos, correspondências, utensílios domésticos, livros e móveis.

Localização: Cidade de Goiás – Goiás – Brasil




Fonte: "Museu Casa de Cora Coralina"


sábado, 16 de janeiro de 2021

O GÉNIO POÉTICO E A ALQUIMIA




O GÉNIO POÉTICO E A ALQUIMIA


O homem de génio é um intuitivo que se serve da inteligência para exprimir as suas intuições. A obra de génio – seja um poema ou uma batalha – é transmutação em termos de inteligência de uma operação superintelectual. Ao passo que o talento, cuja expressão natural é a ciência, parte do particular para o geral, o génio, cuja expressão natural é a arte, parte do geral para o particular.

Um poema de génio é uma intuição central nítida resolvida, nítida ou obscuramente (conforme o talento que acompanhe o génio), em transposições parciais intelectuais.

Uma grande batalha é uma intuição estratégica nítida desdobrada, com maior ou menor ciência, conforme o talento do estratégico, em transposições tácticas parciais.

O génio é uma alquimia. O processo alquímico é quádruplo: 1) putrefacção; 2) albação; 3) rubificação; 4) sublimação. Deixam-se, primeiro, apodrecer as sensações; depois de mortas embranquecem-se com a memória; em seguida rubificam-se com a imaginação; finalmente se sublimam pela expressão.  
 




Fonte: “Goethe” - Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) 




sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

INGMAR BERGMAN



INGMAR BERGMAN
(Suécia, 1918 - 2007)

***

Filho de um clérigo, Ingmar Bergman fez filmes cheios de imaginário religioso, que paradoxalmente expressam um universo ateu e sem amor. Toda a obra de Bergman pode ser vista como uma autobiografia da sua psique.

Dividindo o seu trabalho entre o palco e o ecrã, Bergman introduzia por vezes o teatro nos seus filmes como metáfora do dualismo da personalidade. Pelo menos cinco dos seus filmes têm lugar numa ilha, uma área circunscrita como palco.

O tema das suas primeiras obras é a luta dos adolescentes com um inflexível mundo adulto.

Os efémeros dias de Verão suecos banhados pelo sol, os únicos períodos de felicidade antes da invasão de um Inverno de descontentamento, são capturados calorosamente em Um Verão de Amor (1950) e Mónica e o Desejo (1952).





in “Dicionário de Cinema”

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

A CONVERSÃO DE BOCAGE




A CONVERSÃO DE BOCAGE

Na decomposição da nossa sociedade tradicional, Bocage é um nome que simboliza inteiramente a anarquia intelectual e moral do espírito naturalista da Enciclopédia.

Vítima dos erros do seu tempo, serviu-os Bocage com o fulgor da sua sátira, - com a viva intensidade do seu temperamento de inadaptado a uma regra superior que o disciplinasse. Por isso de Bocage não ficou para a maioria das gentes senão a lenda grosseira da sua extravagância de frequentador de botequins.

No entanto, em Bocage palpitava por vezes a cintilação do génio e as nossas formas poéticas deveram-lhe aqui e além um significativo esforço de renovação literária. […]

Se a obra de génio vale, sobretudo, pelo que contém de universal e humano, o soneto de Bocage moribundo não tem segundo na literatura de todo o mundo. […]

A clarividência que lhe inspirou o seu soneto célebre é a prova melhor a invocar-se contra a lenda sectária que no-lo descreve coacto pela pressão inquisitorial e pelos mórbidos receios religiosos do seu espírito abatido.

Bocage, convertido e arrependido, foi mais livre na condução da sua vontade que o Bocage dos risos demolidores e da «pavorosa ilusão da eternidade». […]

A introspecção psíquica que marca a culminância duma consciência, repassa linha a linha, palavra a palavra, o arranco de Bocage agonizante:

                 Meu ser evaporei na lida insana
                 Do tropel das paixões que me arrastavam
                 Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
                 Em mim quase imortal a essência humana.



in “Ao Princípio Era o Verbo” – ANTÓNIO SARDINHA (Monforte, Portugal, 1887 - Elvas, 1925)







quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

TERRÍVEIS VINGADORAS




TERRÍVEIS VINGADORAS

As Três Fúrias reclamam o sangue de Orestes por este ter morto a própria mãe, Clitemnestra.
Foi seu trágico dever matá-la, depois de ela ter assassinado Agamémnon, seu pai.




in ”Dicionário Ilustrado”
Imagem: pintura de William-Adolphe Bouguereau

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL




CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL


Assim designado por se encontrar guardado na Biblioteca Nacional. É um apógrafo italiano, sendo adquirido pelo Governo português em 1924. Fora mandado copiar pelo humanista Ângelo Colocci (1474-1549), passando muito tempo depois para a posse do conde italiano Brancutti. Razão por que também aparece designado por «Cancioneiro Colocci-Brancutti». 

Contém 1597 canções, 1097 das quais fazem também parte do «Cancioneiro do Vaticano».

As canções ou poemas que enchem os três Cancioneiros, são todas cantigas de amor, cantigas de amigo e cantigas de escárnio e maldizer, e provêm de duas fontes de inspiração: as trovas provençais e o folclore e a tradição peninsulares.

Uma grande parte dos trovadores que fazem parte dos Cancioneiros, viveu nas cortes de D. Afonso III, D. Dinis e do filho bastardo deste, o conde de Barcelos, outra nas cortes de Fernando III e Afonso X, de Castela, e alguns deles, em sítios ignorados.

Entre os trovadores que fazem parte dos Cancioneiros medievais encontram-se os reis D. Sancho I e D. Dinis. Cabendo inclusivamente a este último monarca o grande mérito de ter sido ele que começou a abrir com a lírica trovadoresca os caminhos para o lirismo nacional.



in “Dicionário da Literatura Portuguesa”