sábado, 31 de maio de 2014

O Espectro da Rosa

 
 
 
 

     O Espectro da Rosa

Levanta a tua pálpebra fechada
Tocada por um sonho virginal!
Eu sou o espectro de uma rosa
Que tu, no baile, usaste na noite passada.
Tu me colheste ainda com pérolas,
Do chuveiro de prata refrescada,
E entre a festa estrelada
Tu me passeaste toda a noite.

Ó tu que da minha morte foste a causa,
Sem que tu possas escapar,
Todas as noites o meu espectro se levantará
E à cabeceira da tua cama virá dançar.
Mas nada receeis, eu não reclamo
Nem missa nem De Profundis,
Esta fragrância é a minha alma
E eu venho do Paraíso.

O meu destino foi digno de inveja,
E para ter uma sorte tão bela
Muitos teriam dado a sua vida,
Porque sobre o teu seio eu tenho o meu Túmulo
E sobre o alabastro onde eu repouso,
Um poeta, com um beijo,
Escreveu: "Aqui jaz uma rosa,
Que todos os reis vão invejar.

 
 
Théophile Gautier (1811-1872) poeta francês
Tradução: Maria de Nazaré Fonseca
Ilustração: quadro do pintor romeno Emilian Lazaresco (1878-1934)

sexta-feira, 30 de maio de 2014

O maior poema

 
 
 
 

 
 
O maior poema
 
 
Como os outros
como os outros
sem nada mais que os outros
sentindo como os outros
pensando como os outros
e sofrendo e lutando
e morrendo
como os outros.

 

Mário Dionisio, in “Poesia Incompleta”

Ilustração: pintura de Gill Robinson

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Eeva kilpi

 
 

Eeva Kilpi nasceu na Finlândia, em 1928.

Estudou Filologia Inglesa na Universidade de Helsínquia.

É poetisa, romancista, contista e professora.

Em 1959, publicou o seu primeiro livro de contos, intitulado “Uma Armadilha Viciosa”; em 1972, editou o livro de poesia “A Canção de Amor e Outros Poemas “.

Nos finais da década de 80 publicou a trilogia dos seus romances autobiográficos.

Os temas predominantes da sua poesia são os sentimentos mais profundos das mulheres, as suas emoções e a luta pelos seus direitos de cidadania, assim como o envelhecimento, a velhice e a morte.

Foi galardoarda com os prémios mais importantes da Finlândia.

 

Palavras de Eeva Kilpi: 

“É uma loucura mesmo perguntar o que é criatividade. Seria o mesmo que entrevistar uma planta cominho no seu jardim e perguntar: Como é que você decidiu ser um tempero?"
 
 
Quando alguém já não tem forças...
 
Quando alguém já não tem forças para escrever, tem de recordar.
Quando já não tem forças para fotografar,
tem de ver com os olhos da alma.
Quando já não tem forças para ler,
tem de estar repleto de histórias.
Quando já não tem forças para falar,
tem de ecoar.

Quando alguém já não tem forças para andar, tem de voar.

E quando chega a hora,
tem de se desprender das recordações
e dos olhos da alma e deixar de ressoar,
calar-se e dobrar as asas.

Mas aconteça o que acontecer a história continua, continua.
 
 
 
Eeva Kilpi, in “Poesia Nórdica”
Tradução: Versão de Lp (blog do trapézio, sem rede) a partir da tradução espanhola de Francisco J.Uriz.
 

 

 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Se eu fosse um padre

 
 

 
 
 

          Se eu fosse um padre


Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!



Mário Quintana, poeta brasileiro, in “Nova Antologia Poética”.
Ilustração: Sergey Braga

 

terça-feira, 27 de maio de 2014

Esopo

 

 
Esopo, escritor da Grécia Antiga, nasceu no final do século VII (a.C.).

Apesar de não existir informação correcta sobre o local de nascimento, é suposto ter sido na Trácia, segundo documentos históricos.

Criou um género literário denominado “Fábula”, pelo qual ficou notabilizado e que serviu como suporte para que outros escritores dessem continuidade, tais como, Fedro e La Fontaine.

As fábulas de Esopo são ainda as preferidas para a educação de crianças de todo o mundo.

 

 
Fábula: “A Raposa e a Cegonha”

 

 
“A raposa e a cegonha mantinham boas relações e pareciam ser amigas sinceras. Certo dia, a raposa convidou a cegonha para jantar e, por brincadeira, pôs na mesa apenas um prato raso contendo um pouco de sopa. Para ela, foi tudo muito fácil, mas a cegonha pode apenas molhar a ponta do bico e saiu dali com muita fome.
 
- Sinto muito, disse a raposa, parece que tu não gostaste da sopa.

- Não penses nisso, respondeu a cegonha. Espero que, em retribuição a esta visita, venhas em breve jantar comigo.

 
No dia seguinte, a raposa foi pagar a visita. Quando se sentaram à mesa, o que havia para o jantar estava dentro de um jarro alto, de gargalo comprido e boca estreita, no qual a raposa não podia introduzir o focinho. Tudo o que ela conseguiu foi lamber a parte externa do jarro.

- Não pedirei desculpas pelo jantar, disse a cegonha, assim tu podes sentir no teu próprio estômago o que senti ontem.

Moral da história: “Quem com ferro mata, com ferro morre”

 
Esopo

 


segunda-feira, 26 de maio de 2014

Meu Humilde Amigo

 

    Meu Humilde Amigo


Meu cão fiel, humilde amigo, sucumbiste
Sob a mesa, fugindo à morte como à vespa
Tu fugias em vida. Ali tua cabeça
Voltaste para mim no passo breve e triste.

Companheiro banal do homem, tu que em teus dias
No que falta ao teu dono achas o que te baste,
Ó ser bendito que a jornada acompanhaste
Do arcanjo Rafael e do jovem Tobias...

Tal como um santo ama ao seu Deus, num grande exemplo
Amaste-me também, ó servo verdadeiro!
O mistério de tua obscura inteligência
Vive num paraíso inocente e fagueiro.

Ah se de vós, meu Deus, a graça eu alcançasse
De face a face vos olhar na eternidade,
Fazei que um pobre cão contemple face a face
Quem para ele foi um deus na humanidade.


Francis Jammes, poeta francês (1868-1938)
Tradução: Manuel Bandeira
Ilustração: quadro do pintor inglês Edwin Landsee (1802-1873)


 


domingo, 25 de maio de 2014

Rui Knopfli

 

Rui Knopfli (1932-1997) nasceu em Inhambane, Moçambique.
Foi poeta, jornalista e crítico literário.

Colaborou com diversos jornais e revistas, tais como “A Tribuna” e “A Voz de Moçambique”.

Em 1959, publicou o primeiro livro intitulado “O País dos Outros”.
Lançou, com João Grabato Dias, os cadernos de poesia “Caliban”.

Desde os anos 50, desenvolveu uma obra poética que não se incluía nas correntes literárias moçambicanas, adoptando a tradição lírica do Ocidente.
Alguns dos seus livros: “Reino Submarino”; “Máquina de Areia”; “Mangas Verdes com Sal”.

Em 1982, publicou a colectânea de poemas “Memória Consentida”.

Recebeu o prémio de poesia do PEN Clube.

 

 
Palavras de Rui Knopfli:

“Eu trabalho, dura e dificilmente, a madeira rija dos meus versos, sílaba a sílaba, palavra a palavra…”


           Monólogo
 
Adivinho teu corpo dentro
da noite. Soltos os cabelos
cor de areia fina, delidos
os contornos no linho do lençol.
Dormes tranquilamente. Tudo em
mim é presença tua. E, enquanto
dormes, algo de mim habita
e persiste em ti. Tu dormes
e eu espreito teu sono. Algo
de fluido nos liga e envolve.
Vejo-te lucilar na noite,
teus longos inteiriçados membros
fremindo. Momento breve que perdura.
Depois acordas cinzenta,
banhada em pranto,
oferecendo o perfil suave
ao beijo morno de um céu
onde a aurora se demora.
 
 
Rui Knopfli, in “Reino Submarino”.
 




 

 

sábado, 24 de maio de 2014

António Nobre

 
 
 

António Nobre (1867-1900) nasceu no Porto, Portugal.

Poeta vanguardista da modernidade, foi considerado uma das mais importantes figuras do simbolismo em Portugal.

Formou-se em Direito na Sorbonne.

Fundou a revista “Boémia Nova”.

Em 1892, publicou, em Paris, o livro “Só”.

Postumamente, foram editadas as obras “Despedida “ e “Primeiros Versos”.

Solitário e desencantado, foi o poeta da tristeza e da angústia de viver.
 
 
Palavras de António Nobre:      
, é o livro mais triste que há em Portugal.”
 
              Tempestade!

O meu beliche é tal qual o bercinho,
Onde dormi horas que não vêm mais.
Dos seus embalos já estou cheiinho:
Minha velha ama são os vendavais!

Uivam os ventos! Fumo, bebo vinho.
O vapor treme! Abraço a Bíblia, aos ais...
Covarde! Que dirá teu Avozinho,
Que foi mareante? Que dirão teus Pais?

Coragem! Considera o que hás sofrido,
O que sofres e o que ainda sofrerás,
E vê, depois, se acaso é permitido

Tal medo à Morte, tanto apego ao mundo:
Ah! Fôra bem melhor, vás onde vás,
António, que o paquete fosse ao fundo!


António Nobre, in 'Só'

 
 

 

 
 
 
 

 
 

 
 

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A Traição



 
 
A Traição

 

 quando do cavalo de tróia saiu outro
cavalo de tróia e deste um outro
e destoutro um quarto cavalinho de
tróia tu pensaste que da barriguinha
do último já nada podia sair
e que tudo aquilo era como uma parábola
que algum brejeiro estivesse a contar-te
pois foi quando pegaste nessa espécie
de gato de tróia que do cavalo maior
saiu armada até aos dentes de formidável amor
a guerreira a que já trazia dentro em si
os quatro cavalões do vosso apocalipse
 

 
Alexandre O'Neill (1924-1986), poeta português, in “Poesias Completas”.
Ilustração: pintura de Giovani Domenico Tiepolo (1727-1984),
natural de Veneza, Itália.

 

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Lygia Fagundes Telles

 
 
 
 

Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo, Brasil, no dia 19 de Abril de 1923.

Frequentou a Universidade de Direito de São Paulo, tendo obtido, em 1945, o grau de bacharel.

Em 1938, publicou o primeiro livro de contos intitulado “Porão e Sobrado”.

Colaborou em revistas e jornais.

O livro de contos “Praia Viva”, colocou-a na vanguarda do movimento pós-modernista.

O seu nome consta na colectânea “Os Dezoito Melhores Contos do Brasil”, publicada em 1968.

Realizou inúmeras conferências, destacando-se a que proferiu sobre a poesia de Carlos Drummond de Andrade.

É profundamente conhecedora da Literatura Portuguesa.

Em 1976, integrou o grupo de intelectuais que assinou o “Manifesto do Mil”, protestando contra a censura no Brasil.

É membro da “Academia Paulista de Letras”, da “Academia Brasileira de Letras” e da “Academia das Ciências de Lisboa”.

Ganhou inúmeros prémios, entre os quais: “Prémio Camões 2005”; “Prémio do Instituto Nacional do Livro”; “Prémio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro”.


Palavras de Lygia Fagundes Telles:
“Enriqueço na solidão: fico inteligente, graciosa e não esta feia ressentida que me olha do fundo do espelho. Ouço duzentas e noventa e nove vezes o mesmo disco, lembro poesias, dou piruetas, sonho, invento, abro todos os portões e quando vejo a alegria está instalada em mim.”
 
 
Excerto do conto “Herbarium”:
 
“Todas as manhãs eu pegava o cesto e me embrenhava no bosque, tremendo inteira de paixão quando descobria alguma folha rara. Era medrosa mas arriscava pés e mãos por entre espinhos, formigueiros e buracos de bichos (tatu? cobra?) procurando a folha mais difícil, aquela que ele examinaria demoradamente: a escolhida ia para o álbum de capa preta. Mais tarde, faria parte do herbário, tinha em casa um herbário com quase duas mil espécies de plantas. "Você já viu um herbário" - ele quis saber.
Herbarium, ensinou-me logo no primeiro dia em que chegou ao sítio. Fiquei repetindo a palavra, herbarium. Herbarium. Disse ainda que gostar de botânica era gostar de latim, quase todo o reino vegetal tinha denominação latina. Eu detestava latim mas fui correndo desencavar a gramática cor de tijolo escondida na última prateleira da estante, decorei a frase que achei mais fácil e na primeira oportunidade apontei para a formiga saúva subindo na parede: formica bestiola est. Ele ficou me olhando. A formiga é um inseto, apressei-me em traduzir. Então ele riu a risada mais gostosa de toda a temporada. Fiquei rindo também, confundida mas contente: ao menos achava alguma graça em mim.
Um vago primo botânico convalescendo de uma vaga doença. Que doença era essa que o fazia cambalear, esverdeado e úmido quando subia rapidamente a escada ou quando andava mais tempo pela casa?”
 
Lygia Fagundes Telles, in “Os Melhores Contos de Lygia Fagundes Telles”
                     
 
 
 

 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Fernando Guedes

 

Fernando Guedes nasceu no Porto, Portugal, em 1928.

É editor, escritor e poeta da geração da “Távola Redonda”.

A sua vida tem sido dedicada à poesia e às artes, tendo desempenhado múltiplos cargos na área da história da cultura.

Foi o fundador da “Editorial Verbo”; dirigiu a “Associação Portuguesa de Editores e Livreiros”; foi Presidente da “Federação dos Editores Europeus”; da “União Internacional de Editores”; fundador da “Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa”; da “Associação Portuguesa de Historiadores da Arte”.

Colaborou e dirigiu diversas publicações literárias, entre elas, as revistas “Távola Redonda” e “Tempo Presente”.

Alguns dos livros que escreveu: “Esfera”; “A Viagem de Ícaro”; “Poesias Escolhidas”; “Estudo sobre Artes Plásticas”; “Eu Editor me Confesso”.

Recebeu inúmeros galardões nacionais e internacionais, entre os quais, o “Prémio Nacional de Poesia”, o “Prémio Antero de Quental” e o Colar de Sócio Correspondente Português do “Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”.
 
 
                  O Caule
 
Cinzentas procuras interceptam
o paralelismo recusado.
Sem preferência de ritmo
as fotografias dividiram entre si
os intervalos do tempo. Duas.
No caminho vãos destinos se buscam.
Só a molécula resiste, a flor aberta,
o caule perfumado, a raiz vigorosa.
onde a raposa construiu o seu covil,
a folhagem criada para o abrigo do mocho,
a inteira floresta, espinheiros e buxo,
o labirinto,
o eco da canção antiga,
ingênua e tão distante.
 
E do eco, do bosque, do labirinto, da flor aberta
se nutre de novo o movimento.
Os símbolos perfilam outro símbolo.
 
Fernando Guedes, in “Caule, Flor e Fruto”
 
 
 

 

 


terça-feira, 20 de maio de 2014

Livros e Flores

 
 

 
Livros e Flores

Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?

Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
 
 
Machado de Assis, poeta brasileiro, in "Poesias Completas".

 

 

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão

 
 
 

 
Hoje deitei-me ao lado da minha solidão

 

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão.
O seu corpo perfeito, linha a linha
derramava-se no meu, e eu sentia
nele o pulsar do meu próprio coração.

Moreno, era a forma das pedras e das luas.
Dentro de mim alguma coisa ardia:
o mistério das palavras maduras
ou a brancura de um amor que nos prendia.

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão
e longamente bebi os horizontes.
E longamente fiquei até ouvir
o meu sangue jorrar na voz das fontes.

 

Eugénio de Andrade, In “As Mãos e os Frutos”