sexta-feira, 22 de julho de 2016

ANTÓNIO JACINTO – Carta de um Contratado





António Jacinto (Luanda, Angola, 1924 – Lisboa, Portugal, 1991).

Destacou-se como poeta e contista da geração Mensagem e, como membro do Movimento de Novos Intelectuais de Angola, tendo colaborado com produções suas em diversas publicações nomeadamente "Notícias do Bloqueio", "Itinerário", "O Brado Africano"

Por questões políticas foi preso em 1960 sendo desterrado para Campo do Tarrafal, em Cabo Verde, onde cumpriu pena até 1972, ano em que foi transferido para Lisboa sendo-lhe imposto o regime de liberdade condicional, por cinco anos.

Após a independência de Angola foi co-fundador da União de Escritores Angolanos, e participou activamente na vida política e cultural angolana, sendo Ministro da Cultura de 1975 a 1978.

Ganhou vários prémios literários.



in Lusofonia poética (excertos)



Carta de um Contratado


Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
uma carta que disesse 
deste anseio 
de te ver 
deste receio de te perder 
deste mais que bem querer que sinto 
deste mal indefinido que me persegue 
desta saudade a que vivo todo entregue... 


Eu queria escrever-te uma cara  
amor 
uma carta de confidências íntimas 
uma carta de lembranças de ti 
de ti 
dos teus lábios vermelhos como tacula 
dos teus cabelos negros como dilôa 
dos teus olhos doces como macongue 
dos teus seios duros como maboque 
do teu andar de onça 
e dos teus carinhos 
que maiores não encontrei por aí...


Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
que recordasse nossos dias na capôpa 
nossas noites perdidas no capim 
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos 
o luar que se coava das palmeiras sem fim 
que recordasse a loucura 
da nossa paixão 
e a amargura nossa separação... 


Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
que a não lesses sem suspirar 
que a escondesses de papai Bombo 
que a sonegasses a mamãe Kieza 
que a relesses sem a frieza 
do esquecimento 
uma carta que em todo Kilombo 
outra a ela não tivesse merecimento...


Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
uma carta que te levasse o vento que passa 
uma carta que os cajus e cafeeiros 
que as hienas e palancas 
que os jacarés e bagres 
pudessem entender 
para que se o vento a perdesse no caminho 
os bichos e plantas 
compadecidos de nosso pungente sofrer 
de canto em canto 
de lamento em lamento 
de farfalhar em farfalhar 
te levasse puras e quentes 
as palavras ardentes 
as palavras magoadas da minha carta 
que eu queria escrever-te amor...


Eu queria escrever-te uma carta... 
Mas ah meu amor, eu não sei compreender 
por que é, por que é, por que é, meu bem  
que tu não sabes ler 
e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!



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