sábado, 5 de agosto de 2017

MARIA DA SAUDADE CORTESÃO - A Mulher de Loth

 
 
 
MARIA DA SAUDADE CORTESÃO
(Porto, Portugal,1913 - Lisboa, 2010)

Poetisa e tradutora

Filha de Jaime Cortesão, viveu grande parte da vida no estrangeiro acompanhando seu pai no exílio, primeiro em Paris (1927), depois em Madrid e, por fim, no Rio de Janeiro, onde conheceu o poeta Murilo Mendes com quem veio a casar-se em 1947.
Entre 1952 e 1956 viajou pela Europa acompanhando o marido em missões culturais de difusão da literatura brasileira. Em 1957 fixaram-se em Roma, onde, durante 18 anos, a sua casa se tornou lugar de referência para escritores e artistas plásticos.
Foi amiga de Albert Camus, René Char, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Luciana Stegagno Picchio, Sophia de Mello Breyner e Maria Helena Vieira da Silva, entre outros.
O seu livro de estreia Dançado Destino, foi Prémio Fábio Prado de Poesia.
Traduziu Murder in the Cathedral , de T. S. Eliot, A Midsummer Night's Dream, de Shakespeare, e Calígula, de Albert Camus.
Publicou também traduções do italiano e poemas em revistas e antologias no Brasil e na Itália.



in “Direção Geral do Livro, dos Arquivos e Bibliotecas” - Centro de Documentação de Autores Portugueses
 
***
A MULHER DE LOTH
 
Roucos brados em Sodoma
Que por trás de mim ardia,
Nas ruas enxofre e cinza
Que a fímbria do meu vestido
 
Roxa, arrastava fugindo.
Minhas filhas em cabelo
Fugiam espavoridas,
Ávidas e paralelas
No horizonte cindidas.
O rasto de seus pés durou
Até à noite na areia
Deserta no meio-dia.
 
Altíssimos sons de cobre
A nuca me contundiam -
Que olhar como um grito agudo
No instante em que me voltei!
Secura de insecto e cal
Já os membros me invadia.
Oh Sodoma, outrora eterna!
 
Expulsa da própria morte,
Estátua de sede e sal
Olho as ruínas e a lua.
O chacal do grito escava
A minha garganta muda.
 

 
 

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