segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

RUY CINATTI - Quando eu partir




RUY CINATTI
(Londres, Reino Unido, 1915 - Lisboa, Portugal, 1986)

Poeta, antropólogo

Viveu vários anos em Timor, onde exerceu o cargo de chefe dos serviços agronómicos. Ali, a par da sua actividade profissional, realizou estudos de arqueologia, ecologia e antropologia cultural.
Co-fundador e co-director dos Cadernos de Poesia, fundou e dirigiu a revista Aventura.
Estreou-se com o volume de poemas Nós Não Somos Deste Mundo, 1941.


in “Livro dos Portugueses”

***

Quando eu partir


Quando eu partir, quando eu partir de novo
A alma e o corpo unidos,
Num último e derradeiro esforço de criação;
Quando eu partir...
Como se um outro ser nascesse
De uma crisália prestes a morrer sobre um muro estéril,
E sem que o milagre se abrisse
As janelas da vida…
Então pertencer-me-ei.
Na minha solidão, as minhas lágrimas
Hão de ter o gosto dos horizontes sonhados na adolescência,
E eu serei o senhor da minha própria liberdade.
Nada ficará no lugar que eu ocupei.
O último adeus virá daquelas mãos abertas
Que hão-de abençoar um mundo renegado
No silêncio de uma noite em que um navio
Me levará para sempre.
Mas ali
Hei de habitar no coração de certos que me amaram;
Ali hei-de ser eu como eles próprios me sonharam;
Irremediavelmente...
Para sempre.




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