sábado, 20 de julho de 2019

FRANCIS PONGE – A Ostra


FRANCIS PONGE
(França, 1899 - 1988)
Poeta, escritor

***

 A OSTRA


A ostra, do tamanho de um seixo médio, tem uma aparência mais rugosa, uma cor menos uniforme, brilhantemente esbranquiçada. É um mundo tenazmente cerrado. E no entanto abre-se: há então que segurá-la no interior de um pano, usar uma faca amossada e pouco certa, repetir várias vezes o gesto. Os dedos curiosos acabam cortados, as unhas partidas: é um trabalho tosco. Os golpes dados marcam o seu invólucro, com círculos brancos, como se fossem halos.
 
No interior acha-se um mundo inteiro, de beber e de comer: sob um firmamento (propriamente dito) de nácar, os céus de em-cima afundam-se nos céus de em-baixo, para já só formar um charco, um saco viscoso e esverdeado, que flui e reflui ao cheiro e à vista, franjado de renda negra pelas bordas.
 
Por vezes raríssimas uma fórmula em pérola advém à sua goela de nácar, de que logo se acha ornamento.




Tradução: Filipe Jarro
 



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