segunda-feira, 24 de abril de 2017

NÓS, OS DE “ORPHEU”




NÓS, OS DE “ORPHEU”

Anunciou Almada Negreiros, no segundo número de “Sudoeste”, que neste terceiro se inseriria colaboração dos que foram de Orpheu. Cumpre-se.
Procurámos coordenar, Almada e eu, produções inéditas de quantos figuraram literáriamente na revista extinta e inextinguível a que ambos pertencemos. Excluídos, por motivos de estreiteza de tempo e largueza de distância, os dois colaboradores brasileiros – Ronald de Carvalho e Eduardo Guimarães – conseguimos que estivessem presentes todos os outros, com duas excepções, uma delas atenuada com o sacrifício do ineditismo.

De Ângelo Lima, como nada descobríssemos de inédito, decidimos publicar aquele extraordinário soneto – um dos maiores da língua portuguesa – em que o poeta descreve a sua entrada na loucura, em que longos anos viveu e em que morreu. O soneto, se não é inédito, está contudo esquecido. Publicando-o, não deixamos de, saudosamente, fazer lembrar quem, não sendo nosso, todavia se tornou nosso.

Nada porém foi possível incluir de Côrtes-Rodrigues que é directamente de Orpheu, e os poemas de cuja personalidade inventada, Violante de Cysneiros, são uma maravilha subtil de criação dramática. Neste caso a dificuldade foi, como no dos brasileiros, geográfica: estas produções foram coordenadas à pressa, Côrtes-Rodrigues vive nos Açores. Aqui lhe deixamos, num abraço, a expressão da nossa camaradagem de sempre: e o perpetrador destas linhas, velho amigo seu, acrescenta a ela o desejo de que Côrtes-Rodrigues se não embrenha demasiado, como de há tempos se vai embrenhando, no catolicismo campestre, pelo que facilmente se aumenta o número de vítimas literárias da pieguice fruste e asiática de S. Francisco de Assis, um dos mais venenosos e traiçoeiros inimigos da mentalidade ocidental.
Quanto ao mais, nada mais. Cá estamos sempre.

Orpheu acabou. Orpheu continua


FERNANDO PESSOA (Lisboa, Portugal, 1888 – 1935), poeta, escritor, tradutor.



in “Revista Sudoeste” – (1935) – dirigida por Almada Negreiros.

Imagem: Fernando Pessoa – pintura de JÚLIO POMAR (Lisboa, Portugal, 1926), artista plástico/pintor modernista.


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