sábado, 29 de fevereiro de 2020

CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS – Quem me dera




QUEM ME DERA…

                          Quem me dera ver
                          O meu bem agora
                          Com uma canoa
                          Pela barra fora.

                          Quem me dera ver
                          O meu amorzinho,
                          Só para saber
                          Se está melhorzinho.

                          Quem me dera ir
                          Onde está meu bem,
                          Inda que gastasse
                          Quanto meu pai tem.

                          Quem me dera estar
                          No teu pensamento,
                          Como está o sumo
                          Do limão lá dentro.

                          Quem me dera estar
                          no teu pensamento,
                          Como estás no meu
                          Há já tanto tempo.



Cancioneiro Popular Português – José Leite de Vasconcelos

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

ALBERT CAMUS - A Liberdade e a Justiça



ALBERT CAMUS
(Argélia, 1913 – França, 1960)
Escritor, filósofo
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Prémio Nobel da Literatura de 1957, representa uma das referências fundamentais do existencialismo. Com uma obra rica e multifacetada, o escritor franco-argelino foi, pela liberdade de espírito e pela orientação libertária, aquele que, na sua geração, melhor pôde corresponder à superação do espírito do tempo.  
in “Centro Nacional de Cultura”

***

A LIBERDADE E A JUSTIÇA

A revolução do século XX separou arbitrariamente, para fins desmesurados de conquista, duas noções inseparáveis. 

A liberdade absoluta mete a justiça a ridículo. 
A justiça absoluta nega a liberdade. 

Para serem fecundas, as duas noções devem descobrir os seus limites uma dentro da outra. 

Nenhum homem considera livre a sua condição se ela não for ao mesmo tempo justa, nem justa se não for livre. Precisamente, não pode conceber-se a liberdade sem o poder de clarificar o justo e o injusto, de reivindicar todo o ser em nome de uma parcela de ser que se recusa a extinguir-se. 

Finalmente, tem de haver uma justiça, embora bem diferente, para se restaurar a liberdade, único valor imperecível da história. 

Os homens só morrem bem quando o fizeram pela liberdade: pois, nessa altura, não acreditavam que morressem por completo.  




in "O Mito de Sísifo" 




quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

ANNA KARÉNINA




ANNA KARÉNINA


Romance trágico de LÉON TOLSTÓI, escrito entre 1873 e 1877.

Ana, uma mulher bela presa a um casamento infeliz, apaixona-se perdidamente por Vronsky, um jovem oficial do Exército. Deixa o marido, que a proíbe de voltar a ver o filho. Por fim, a sua vida torna-se intolerável e ela lança-se para debaixo de um comboio.

Anna Karénina principia com uma das frases mais célebres da literatura: «Todas as famílias felizes são iguais umas às outras; cada família infeliz é infeliz à sua maneira.»

                                                  


in “Dicionário do Conhecimento Essencial”





quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

EXCALIBUR




EXCALIBUR

Espada mágica do rei Artur, que se diz simbolizar simultaneamente destruição e fertilidade. Numa das versões das lendas de Artur, o futuro rei conquistou o direito de governar arrancando a espada Excalibur de uma pedra, o que nenhum outro homem conseguira fazer.

Segundo outra versão, ele recebeu a espada da Dama do Lago – que vivia no meio de um lago. Quando agonizava, Artur pediu a Sir Bedevere, um dos seus cavaleiros, que devolvesse a espada ao lago, de onde um braço se ergueu da água para a receber. 





in “Dicionário do Conhecimento Essencial”



terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

WILLIAM SHAKESPEARE - Fosse-me a carne opaca pensamento



WILLIAM SHAKESPEARE
(Reino Unido, 1564 – 1816)
Poeta, dramaturgo

***
FOSSE-ME A CARNE OPACA PENSAMENTO


Fosse-me a carne opaca pensamento,
a vil distância não me deteria
e de remotos longes num momento
até onde te encontras eu viria.
Nem importava que tivesse os pés
no ponto que é de ti mais afastado:
o pensamento vai de lés a lés
mal pensa no lugar a que é chamado.
Mas mata-me pensar que em mim não pensas
para saltar as milhas quando vás;
feito de terra e água em partes densas,
espero em ânsias o que o tempo traz.
    Nem lentos elementos trazem mais
    do que choros, da nossa dor sinais.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

OS ESCRITORES ASIÁTICOS




OS ESCRITORES ASIÁTICOS


O maior escritor da antiga literatura indiana, Kalidasa, viveu provavelmente cerca de 450 anos d.C., embora alguns estudiosos pensem que viveu no século anterior. Escreveu na língua antiga de sânscrito e produziu poemas e peças de teatro.

Os séculos VIII e IX d.C. foram uma idade de ouro para a escrita chinesa. Foi a época da Dinastia T´ang, em que vários grandes poetas tais como o escritor lírico, Du Fu (também conhecido por Tu Fu, 712-770) e Li Shangyin (812-858), primeiro poeta do amor chinês, produziram as suas obras.

Li Bo (também conhecido por Li Po, (701-762) é considerado por muitos como o melhor de todos. Escreveu lindos poemas curtos sobre assuntos como o amor e a natureza e diz-se que se afogou quando tentava agarrar o reflexo da lua num lago.

No final deste período, existia uma literatura florescente no Japão. Por volta de 1000, Sei Shonagon, uma mulher da corte, escreveu o livro O Livro de Cabeceira, uma série de curtas peças em prosa que dão vida ao povo e hábitos das classes altas japonesas.

Outra mulher da corte, Murasaki Shikibu (973-025) produziu A História do Príncipe Genji mais ou menos na mesma altura. Esta história sobre as aventuras de um príncipe japonês é considerada por muitos o primeiro romance escrito.





in “1000 Anos”




domingo, 23 de fevereiro de 2020

A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (VIII)





A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (VIII)


Quatro modos de tortura que se usavam no Santo Ofício português: corda ou polé, água, fogo e potro.

A tortura da corda ministrava-se de um modo bastante bárbaro e consistia em se amarrarem os braços, um sobre o outro e voltados para trás, com uma corda pendente duma roldana sustida em o alto da casa dos tormentos e por meio dela era então guindado o paciente, assim amarrado, até quase à altura da casa. Conservado por algum tempo suspenso e quando o peso do corpo tinha já feito tomar aos membros superiores uma posição aflitiva, largava-se repentinamente a corda numa graduação para ficar o corpo elevado alguma coisa do plano da casa, sofrendo o paciente um choque considerável. 

Esta flagelação repetia-se tantas vezes quantas bem julgavam os ministros assistentes e à força dos repetidos balanços comportados, o infeliz posto a trato sentia deslocarem-se-lhe e até fracturarem-se-lhe violentamente os ossos, o que fazia exalar gemidos penetrantíssimos – que conquanto devessem ser muito dolorosos e comoventes mais facilmente abalariam as pedras da casa que os arrefecidos corações desses sacerdotes volvidos algozes.


(continua)


in “História dos Principais Actos e Procedimentos da Inquisição em Portugal” – José Lourenço D. de Mendonça e António Joaquim Moreira.

Imagem: aguarela “A Expulsão dos Judeus”, do artista Roque Gameiro, que retrata a história da Inquisição em Portugal.

sábado, 22 de fevereiro de 2020

ALICE RUIZ – Teu corpo seja brasa



ALICE RUIZ
 (Curitiba, Brasil, 1946)
Poetisa, tradutora

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A poesia de Alice Ruiz norteia-se pela concisão. Nos poemas iniciais, a pesquisa sobre o haicai, forma poética de extrema brevidade, é associada à influência da poesia concreta. Com isso, os poemas de Navalhanaliga são, ao mesmo tempo, formalmente experimentais e profundamente líricos.

Outra característica da poesia de Alice é a musicalidade: mesmo poemas visuais, escritos no início da carreira, tornam-se letra de música nas composições de Itamar Assumpção, como o próprio poema Navalhanaliga

Dedica-se com a mesma intensidade e princípio poético à literatura e à música.


Fonte: “Enciclopédia Itaú Cultural” (excerto)

***
TEU CORPO SEJA BRASA

Teu corpo seja brasa
e o meu a casa
que se consome no fogo

um incêndio basta
pra consumar esse jogo
uma fogueira chega
pra eu brincar de novo    





sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

ANTÓNIO FERREIRA – Ah! Porque não posso eu em prosa, ou rima



ANTÓNIO FERREIRA
(Lisboa, Portugal, 1528 1569)
Humanista, dramaturgo, poeta

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É autor de sonetos, odes, éclogas, elegias, epigramas e epístolas (recolhidos em Poemas Lusitanos, 1598), das comédias Bristo e Cioso e da tragédia Castro, 1587. Como poeta, discípulo de Sá de Miranda, é horaciano tanto nos modelos como nos ideais.

Censura o bilinguismo dos literatos seus contemporâneos e incita-os a exaltarem a língua nacional, sendo defensor acérrimo do purismo linguístico, mas o que perpetua o seu nome é a Castro, justamente considerada a obra-prima do teatro clássico português e uma das mais belas de todo o Renascimento.


in “Portugueses Célebres”


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AH! PORQUE NÃO POSSO EU EM PROSA, OU RIMA


Ah! Porque não posso eu em prosa, ou rima
tão alto levantar o brando nome,
que em toda a praia estranha, estranho clima,
brandura a fera gente dele tome;

com que eu batendo as asas vá por cima
da baixa inveja, e assi a vença, e dome,
que em vão seus dentes quebre e dura lima,
em vão louvor esconda, erros assome?

Mas, pois não basta o esprito a empresa tanta,
bastar devia ao menos aqueixar-se
esta língua em mau mal só fria, e muda.

Assi a clara vista me ata, e espanta,
que quando dela espero mor ajuda,
então a vejo em dano meu calar-se.





quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

ALMEIDA GARRETT – Viagens na Minha Terra



ALMEIDA GARRETT
(Porto, Portugal, 1799 -Lisboa, 1854)
Escritor

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VIAGENS NA MINHA TERRA

Romance, onde o narrador, a propósito de uma viagem que faz a Santarém, chama a atenção para a memória do passado nacional em contraste com a decadência do presente, utilizando a digressão como processo e uma novela como exemplo.

Com este romance híbrido, que estabelece uma relação privilegiada com o leitor, nasce, em Portugal, uma nova forma de escrita, misturando o coloquial e o erudito, numa proliferação de vozes e numa contaminação de géneros, que é afinal própria da literatura romântica.





Fonte: ”Dicionário Conhecimento Essencial”
Imagem: Almeida Garrett por José Malhoa



quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

GONÇALVES CRESPO - Soneto da Nudez




GONÇALVES CRESPO
(Rio de Janeiro, Brasil, 1846 - Lisboa, Portugal, 1883) Poeta

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É um dos expoentes do parnasianismo português.


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SONETO DA NUDEZ

Há um misto de azul e trevas agitadas
Nesse felino olhar de lúbrica bacante.
Quando lhe cai aos pés a roupa flutuante,
Contemplo, mudo e absorto, as formas recatadas.

Nessa mulher esplende um poema deslumbrante
De volúpia e langor; em noites tresloucadas
Que suave não é nas rosas perfumadas
De seus lábios beber o aroma inebriante!

Fascina, quando a vejo à noite seminua,
Postas as mãos no seio, onde o desejo estua,
A boca descerrada, amortecido o olhar...

Fascina, mas sua alma é lodo, onde não pousa
Um raio dessa aurora, o amor, sublime cousa!
Raio de luz perdido em tormentoso mar! 



in “Antologia Poética” 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

THOMAS MANN - A Cultura não se Adquire, Respira-se



THOMAS MANN
(Alemanha, 1875 - Suíça, 1955)
Escritor

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Recebeu, em 1929, o “Prémio Nobel” de Literatura.
Em 1933, com a subida de Hitler ao poder, muda-se para os EUA.
Algumas das suas obras: Os Buddenbrook, A Montanha Mágica, A Morte em Veneza.

***

A CULTURA NÃO SE ADQUIRE, RESPIRA-SE

A cultura não se obtém com um labor obtuso e intensivo e é antes o produto da liberdade e da ociosidade exterior. Não se adquire, respira-se. 

O que trabalha para ela são os elementos ocultos. Uma secreta aplicação dos sentidos e do espírito, conciliável com um devaneio quase total em aparência, solicita diariamente as riquezas dessa cultura, podendo dizer-se que o eleito a adquire a dormir. Isto porque é necessário ser dúctil para se poder ser instruído. 

Ninguém pode adquirir o que não possui ao nascer, nem ambicionar o que lhe é estranho. 

Quem é feito de madeira ordinária nunca se afinará, porque quem se afina nunca foi grosseiro. 

Nesta matéria, é também muito difícil traçar uma linha de separação nítida entre o mérito pessoal e aquilo que se chama o favor das circunstâncias.





Thomas Mann, in "As Confissões de Félix Krull" (citador)



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

BARBA-AZUL




BARBA-AZUL

Vilão de contos folclóricos europeus que assassinou as esposas e conservou os cadáveres numa fechada do seu castelo.

A lenda do Barba-Azul pode ter sido inspirada na vida de Comorre, o Maldito, chefe bretão do século VI, mas está também interligada com a do múltiplo assassino Gilles de Rais, que foi executado em Nantes em 1440.

Barba-Azul aparece na obra de Charles Perrault Contes du Temps, de 1697.






in “Livro do Conhecimento Essencial”



domingo, 16 de fevereiro de 2020

A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (VII)





A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (VII)


O número das pessoas que entraram nos cárceres de Lisboa de 1540 a 1543 nem remotamente se pode calcular. Tinham-se construído prisões especiais para os réus do judaísmo; mas em breve esse receptáculo de supremas misérias ficou atulhado. 

Converteu-se em masmorra o vasto edifício das Escolas Gerais; mas as novas prisões dentro em pouco se tornaram insuficientes. Os Estaus, passos reais situados no Rossio, foram então entregues ao Santo Ofício. Não bastaram, porém. 

Os edifícios públicos da capital corriam risco de ser transformados, uns após outros, em calabouços. Nos pátios interiores edificaram-se umas como pocilgas para receberem novos hóspedes. A frequência dos autos de fé devia, portanto, tornar-se em providência higiénica. Uma epidemia podia surgir daqueles lugares infectos, dentre uma população empilhada em recintos sem ar e sem luz, devorada pelos padecimentos físicos e enfraquecida pela dor moral. 

As fogueiras dos autos-de-fé, ao passo que eram uma diversão para o povo, satisfaziam às indicações administrativas. As cinzas dos mortos nem sequer ocupavam um breve espaço de terra; porque as correntes do Tejo iam depositá-las no fundo solitário do mar.
                     




in “História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal” -  Alexandre Herculano.

Imagem: Procissão do auto de fé saindo do palácio da Inquisição (Estaus) no Rossio de Lisboa.



sábado, 15 de fevereiro de 2020

ÓPERA - ELECTRA



ELECTRA

Ópera em um acto, dividida em dez cenas, com libreto de Hugo von Hofmannsthal (baseada no drama clássico grego do mesmo nome, de Sófocles) e música de Richard Strauss, estreada no Teatro da Corte de Dresda, em 23 de Janeiro de 1909.

*

Tempo e lugar da acção: época grega. Micenas.

*

Premonitório e tremendo, um acorde orquestral, inicia e remata porventura a mais sangrenta de todas as óperas: um pai (Agamémnon) entrega a filha (Ifigénia) à deusa em troca de uma expedição venturosa. 

A sua mulher (Clitemnestra) vinga-se assassinando-o no ajudada pelo seu amante (Égisto). Uma filha (Electra) anseia a hora da vingança pela morte do pai, e a irmã (Crisotémis), dócil e fértil, espera somente o amor de um homem. Após tão esperado regresso, será o irmão delas (Orestes) a matar a própria mãe e o amante.

Num só ato de rara violência vocal e orquestral, eis a recriação freudiana da tragédia de Sófocles onde um sublime lirismo alterna com a obsessão histérica e violenta de Electra, princesa de Micenas.

Um quarto de século após Parsifal e um quarto de século antes do advento do nazismo, Elektra marca o primeiro encontro de Richard Strauss com uma figura feminina da Antiguidade.





in “Óperas Imortais” e “Antena 2”



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

GUIMARÃES ROSA - Quando escrevo




GUIMARÃES ROSA
(Cordisburgo, Brasil, 1908 - Rio de Janeiro, 1967)
Escritor, poeta

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Em 1952, Guimarães Rosa fez uma longa excursão a Mato Grosso e escreveu o conto "Com o Vaqueiro Mariano”. Em 1956, publicou “Grande sertão: Veredas”.

Nessas duas obras, e nas subsequentes, Guimarães Rosa fez uso do material de origem regional para uma interpretação mítica da realidade, através de símbolos e mitos de validade universal, a experiência humana meditada e recriada mediante uma revolução formal e estilística.

Nessa tarefa de experimentação e recriação da linguagem, usou de todos os recursos, desde a invenção de vocábulos, por vários processos, até arcaísmos e palavras populares, invenções semânticas e sintácticas, de tudo resultando uma linguagem que não se acomoda à realidade, mas que se torna um instrumento de captação da mesma, ou de sua recriação, segundo as necessidades do "mundo" do escritor.


Fonte: “Academia Brasileira de Letras” (excerto)

                                  
***


QUANDO ESCREVO

Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas,
um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco.
Gostaria de ser um crocodilo
porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranquilos e escuros
como o sofrimento dos homens.




quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

CESÁRIO VERDE – De tarde



CESÁRIO VERDE
(Lisboa, Portugal, 1855 - 1886)
Poeta

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Deve-se-lhe a renovação impressionista da linguagem poética, o que faz de Cesário Verde um precursor de Fernando Pessoa e do modernismo português.


in “Grande Livro dos Portugueses”

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DE TARDE

Naquele «pic-nic» de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.