IRENE LISBOA
(Arruda dos Vinhos, Portugal, 1892 – Lisboa, 1958)
Escritora,
professora, poetisa
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Professora
primária, especializou-se em questões pedagógicas na Bélgica, em França e na
Suíça. Publicou poemas, contos, crónicas e diários.
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Solidão
Vim
de casa da Edith, que falou muito. A Hungria é infeliz. A Edith não se conforma
com as espoliações que o seu país sofre. Contou-me muitas histórias
desconsoladas. Entretanto tomámos chá e comemos morangos.
De
volta, já Budapeste se tinha sumido no Danúbio e o Danúbio confundido com os
traços pretos dos rios dos mapas…
Deu-me
para ziguezaguear pelos jardins despovoados. Corri um primeiro e um segundo.
Este ainda tinha gente. Algumas mulheres gordas de chapéus informes e botas de
cordões, alguns pares de velhos… e uma mulher magra, pobre e recolhida, que me
deu no goto. Estávamos sentadas no mesmo banco. Ela tinha um jornal aberto à
frente, mas olhava para além dele. Segui-lhe o olhar. Notou-me, pôs-se a ler…
Que perfil tão suave, debaixo de um chapéu tão ridículo! Decadência. Fim de
mocidade. Estas coisas afligem-me… Para onde é que ela estava a olhar? Para um
par de namorados!
Os
namorados substituem as estátuas dos jardins, com muita vantagem. Têm poses morosas, encantadoras. E vivem,
estão vivos!
Lá
em baixo, de costas para nós, para todo este público mole e invejoso, aqueles
namorados virados um para o outro parecia que se estavam beijando sem fim. Por
fim levantaram-se e foram caminhando sem pressa.
E
a minha companheira, metida num triste casaco que servia para duas como ela, lá
ficou com o seu jornal.
Ai,
tanto mistério em tudo!
Eu
também saí. Mas antes tive não sei que vontade de voltar atrás e de bradar para
a leitora pobre que havia namorados por todos os cantos… E tão esquecidos de
nós como o par que ela tinha admirado, e invejado. Nós duas…
Quase
à porta do jardim ainda olhei para a mulher
de pedra que aqui há e que tanto me agrada. É uma mulher nua, acocorada,
com os cabelos e os braços para a frente. Não se lhe vê a cara. Todo o seu
corpo é um novelo. O cabelo, pesado, desmanchado, aumenta-lhe os sinais do desconforto.
É um ser que se vira para si, para o seu coração. O que representou para o seu
escultor não o sei bem. Para mim… é uma imagem, com mais beleza e mais retoque,
das tristes mulheres dos bancos. Olham as outras, curiosas, e olham-se a elas
próprias, chorando-se.
Genebra, 1930 e 1931.
in “Solidão”
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