quarta-feira, 8 de maio de 2019

IRENE LISBOA – Solidão



                                    IRENE LISBOA
            (Arruda dos Vinhos, Portugal, 1892 – Lisboa, 1958)
     Escritora, professora, poetisa

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Professora primária, especializou-se em questões pedagógicas na Bélgica, em França e na Suíça. Publicou poemas, contos, crónicas e diários.

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Solidão

Vim de casa da Edith, que falou muito. A Hungria é infeliz. A Edith não se conforma com as espoliações que o seu país sofre. Contou-me muitas histórias desconsoladas. Entretanto tomámos chá e comemos morangos.

De volta, já Budapeste se tinha sumido no Danúbio e o Danúbio confundido com os traços pretos dos rios dos mapas…

Deu-me para ziguezaguear pelos jardins despovoados. Corri um primeiro e um segundo. Este ainda tinha gente. Algumas mulheres gordas de chapéus informes e botas de cordões, alguns pares de velhos… e uma mulher magra, pobre e recolhida, que me deu no goto. Estávamos sentadas no mesmo banco. Ela tinha um jornal aberto à frente, mas olhava para além dele. Segui-lhe o olhar. Notou-me, pôs-se a ler… Que perfil tão suave, debaixo de um chapéu tão ridículo! Decadência. Fim de mocidade. Estas coisas afligem-me… Para onde é que ela estava a olhar? Para um par de namorados!

Os namorados substituem as estátuas dos jardins, com muita vantagem. Têm poses morosas, encantadoras. E vivem, estão vivos!

Lá em baixo, de costas para nós, para todo este público mole e invejoso, aqueles namorados virados um para o outro parecia que se estavam beijando sem fim. Por fim levantaram-se e foram caminhando sem pressa.

E a minha companheira, metida num triste casaco que servia para duas como ela, lá ficou com o seu jornal.

Ai, tanto mistério em tudo!

Eu também saí. Mas antes tive não sei que vontade de voltar atrás e de bradar para a leitora pobre que havia namorados por todos os cantos… E tão esquecidos de nós como o par que ela tinha admirado, e invejado. Nós duas…

Quase à porta do jardim ainda olhei para a mulher de pedra que aqui há e que tanto me agrada. É uma mulher nua, acocorada, com os cabelos e os braços para a frente. Não se lhe vê a cara. Todo o seu corpo é um novelo. O cabelo, pesado, desmanchado, aumenta-lhe os sinais do desconforto. É um ser que se vira para si, para o seu coração. O que representou para o seu escultor não o sei bem. Para mim… é uma imagem, com mais beleza e mais retoque, das tristes mulheres dos bancos. Olham as outras, curiosas, e olham-se a elas próprias, chorando-se.


Genebra, 1930 e 1931.

in “Solidão”

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