quinta-feira, 8 de agosto de 2019

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO – Ladislau Ventura (conto)




MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
(Lisboa, Portugal, 1890 — Paris, França, 1916)
Poeta, contista
                                    
***

LADISLAU VENTURA
                                                a Milton Machado d’Aguiar


Ladislau Ventura, quando eu o conheci, era um rapaz de 19 anos, magro, trigueiro e de faces encovadas. Os seus olhos negros – como negros eram sempre o fato, o chapéu e a gravata que trazia – brilhavam como dois carbúnculos e neles transparecia claramente o génio ou a loucura. Tinha uma paixão: as «letras». Fazia versos, escrevia romances, arquitectava peças que eu e mais dois amigos íntimos ouvíamos sempre com pachorra e às vezes com prazer.
A sua única ambição era a glória e a celebridade. Para as alcançar não recuaria diante de nenhum obstáculo. Foi isso mesmo que mostrou mais tarde.

Um dia, cansado de percorrer os teatros para ver se algum lhe representaria uma peça, farto de entrar nas livrarias sem conseguir que lhe editassem um romance, sentiu -se desanimado. Em breve, porém, recuperou o ânimo: é que se lembrara do conhecido adágio «querer é poder» e, cheio de coragem, pôs -se em busca do meio de «poder». Achou um magnífico.

Com uma actividade febril, em três ou quatro meses, manufacturou dois novos dramas e três novos romances, enviou -os pelo correio a um livreiro. Passados alguns dias comprou um camarote no D. Amélia, muniu -se dum revólver e – o leitor por certo que ainda não esqueceu essa emocionante tragédia – quando decorria o último acto dos
«Amordaçados!» desfechou-o sobre a formosa Ester Valdez, que desempenhava a protagonista dessa peça, atingindo -a em pleno coração. Depois voltou a arma contra si...

Numa das suas algibeiras foi encontrado um papel que dizia apenas o seguinte:

«Chamo -me Ladislau Ventura. Não sou ninguém. Amo loucamente uma mulher pela qual nunca me poderei fazer amar. Por isso, morro. Não consentirei, porém, que outro alcance aquilo que eu não posso alcançar. No mesmo dia em que abandonar a vida, arrebatarei também a dessa mulher.»

Todos os jornais transcreveram estas linhas chamando ao crime «espantosa tragédia vivida», «horrível drama d’amor», etc., e muita menina romântica chorou e se apaixonou pelo «sombrio herói de tão comovedora tragédia»...

Pouco tempo depois, os teatros anunciavam as peças do «poético criminoso» e as livrarias os romances do «terrível amoroso». Que magnífico reclamo!! As edições esgotaram -se, os teatros encheram-se e hoje ninguém desconhece o nome de Ladislau Ventura...



in “Primeiros Contos”




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