domingo, 24 de fevereiro de 2019

AUGUSTO ABELAIRA - Quem era na verdade, Fernando Pessoa? (VI)



AUGUSTO ABELAIRA
(Coimbra, Portugal, 1926 - Lisboa, 2003)
                  Dramaturgo, tradutor, jornalista     

***

QUEM ERA NA VERDADE, FERNANDO PESSOA? (VI)

Mas como toda a regra – se é que isto é uma regra – tem excepção, casos há em que Pessoa é tido pelas ideias (e isso na sua juventude e por sinal com aquele que a mim me parece ser o maior dos poetas portugueses: Alberto Caeiro). 

Mas eis ainda aí um puro caso de ausência de convicções sólidas. Em determinado dia e sinceramente, Pessoa achou que o mistério das coisas não existia – tal como poderia ter achado outra qualquer ideia. – Como a ideia fosse bastante interessante – como interessante não deixa de ser o facto de trinta e tal desses poemas serem desse próprio dia. – Pessoa fez render o peixe, deixou-se ser tido pela ideia. Importa notar todavia, que este ser tido pela ideia, o era, não pela condição em que estivesse de obtida a verdade, mas justamente porque tal ideia saía do comum. 

Pergunto-me mesmo se o sistema de Caeiro não será uma defesa para o facto da sua impotência de parar em determinadas ideias; uma explicação de por que é que viajava através das ideias e não se atrevia a agarrar nenhuma. (Uma tentativa mesmo de anular essa realidade que consiste em nós termos, mais do que a posse dos próprios objectos – se é que existem, claro - ideias que no mínimo serão representações desses objectos, mas nunca os próprios objectos).

(continua)



in “Mundo Literário” – Semanário de Crítica e Informação Literária, Científica e Artística – 1947






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