AUGUSTO ABELAIRA
(Coimbra, Portugal, 1926 - Lisboa, 2003)
Dramaturgo,
tradutor, jornalista
***
QUEM ERA NA VERDADE, FERNANDO PESSOA? (VI)
Mas
como toda a regra – se é que isto é uma regra – tem excepção, casos há em que
Pessoa é tido pelas ideias (e isso na sua juventude e por sinal com aquele que
a mim me parece ser o maior dos poetas portugueses: Alberto Caeiro).
Mas eis
ainda aí um puro caso de ausência de convicções sólidas. Em determinado dia e
sinceramente, Pessoa achou que o mistério das coisas não existia – tal como
poderia ter achado outra qualquer ideia. – Como a ideia fosse bastante
interessante – como interessante não deixa de ser o facto de trinta e tal
desses poemas serem desse próprio dia. – Pessoa fez render o peixe, deixou-se
ser tido pela ideia. Importa notar todavia, que este ser tido pela ideia, o era, não pela condição em que estivesse de
obtida a verdade, mas justamente porque tal ideia saía do comum.
Pergunto-me
mesmo se o sistema de Caeiro não será uma defesa para o facto da sua impotência
de parar em determinadas ideias; uma explicação de por que é que viajava
através das ideias e não se atrevia a agarrar nenhuma. (Uma tentativa mesmo de
anular essa realidade que consiste em nós termos, mais do que a posse dos próprios
objectos – se é que existem, claro - ideias que no mínimo serão representações desses
objectos, mas nunca os próprios objectos).
(continua)
in “Mundo Literário” – Semanário de Crítica e
Informação Literária, Científica e Artística – 1947
Sem comentários:
Enviar um comentário