sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

ALBERTO GIRRI – O Desesperado



ALBERTO GIRRI
(Buenos Aires, Argentina, 1919 – 1991)
Poeta e escritor

                             *** 

O DESESPERADO

Deixem-no gritar
com seu penetrante odor
de pródigo rondando como um abutre
pelos pecados da omissão.

Deixemos,
que a conformidade oculta
é artigo de sua vigília
fixa no amor.

Que a paz, peste de paz,
estímulo de negócios
para que agonizemos na cama
e de sua permanência ninguém se arrependa,
é seu intolerável fuste.

Que o nosso gemido,
vicioso presente anquilosando
o resplendor do que somos,
impede reconhecer-nos
à imagem e semelhança.


Que o fundo de sua dívida
é núpcias com a imundície,
onde o vinho fino, a gota de água,
a rosa inchada de azeite,
uma herança, descem a chorar.

Que a caridade que obedecemos,
perjura resposta
á sua única, devoradora solidão,
desconfia das obras.

Deixem-no gritar, deixemos,
devotos pobremente sensíveis
da Segunda Pessoa
que por ele abrasa.


 
Tradução: António Miranda




Sem comentários:

Enviar um comentário

MALMEQUER

MALMEQUER Português, ó malmequer Em que terra foste semeado? Português, ó malmequer Cada vez andas mais desfolhado Ma...