GIÓRGOS
SEFÉRIS
(Turquia, 1900 – Grécia, 1971)
Poeta, escritor
***
Poeta grego vencedor do Prémio Nobel de 1963. O poema
aqui publicado é um prenúncio do que estava por vir, sobre a sua pátria e sobre toda a Europa, nos anos imediatamente seguintes. Com a
deflagração da Segunda Guerra, ele acompanhou o governo grego no exílio por diversos países, num tour que começou na ilha de Creta e terminou na Itália.
***
O ÚLTIMO DIA
Era um dia nublado. Ninguém decidia.
Soprava uma brisa leve. "Não é o vento leste, é o
siroco" disse alguém.
Alguns magros ciprestes espetados na encosta e o mar
cinzento com lagoas de luz um pouco adiante.
Os soldados apresentavam armas quando começou a
chuviscar.
"Não é o vento leste, é o siroco" foi a
única decisão que se escutou.
E no entanto sabíamos que na manhã seguinte não nos
restaria
mais nada, nem a mulher que ao nosso lado bebe o sono,
nem a lembrança de que um dia fomos homens,
mais nada na manhã seguinte.
"Este vento traz à mente a primavera", dizia
a amiga
que passeava comigo a olhar para longe "a primavera
que de repente fez baixar o inverno sobre o mar
fechado. Tão inesperado. Tantos anos se passaram. Como morreremos?
"Uma marcha fúnebre zanzava pela chuva fina.
Como morre um homem? Estranho que ninguém pensasse
nisso.
E para os que pensaram era como recordações de velhas crónicas
do tempo dos cruzados e da batalha naval de Salamina.
E no entanto a morte é coisa que acontece; como morre
um homem?
E no entanto cada um recebe a sua morte, a sua própria
morte, que não pertence a mais ninguém
e a vida é esse jogo.
Baixava a luz sobre o dia nublado, ninguém decidia.
Na manhã seguinte não nos restaria nada: rendição
total; sequer as nossas mãos;
e nossas mulheres servindo aos estrangeiros, nossos
filhos nas pedreiras.
Passeando comigo minha amiga cantava uma canção
estropiada:
"A primavera, o verão, raiás...
"Vinham à lembrança velhos mestres que nos
deixaram órfãos.
Passou um casal a conversar:
"Eu me cansei da tarde, vamos para casa
vamos acender a luz de casa."
Atenas, Fevereiro de 39
Tradução; José Paulo Paes
in “Segunda Guerra Mundial Uma -
Antologia Poética – Sammis Reachers
Sem comentários:
Enviar um comentário