JOÃO GASPAR SIMÕES
(Figueira da Foz, Portugal,
1903 — Lisboa, 1987)
Dramaturgo, crítico
literário, tradutor
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DA CULTURA E DA ERUDIÇÃO (IV)
(continuação)
Espírito culto, diz-se; não espírito
erudito. Espírito erudito é uma
contradição. Só o espírito é acessível a um progresso – a uma cultura, no sentido etimológico do
termo.
Com a libertação e o aproveitamento da energia da cultura faz-se uma espécie de digestão. Entre o que se recebeu de
fora e o que existia latente no homem realiza-se uma reacção química que tem
por fim vivificar e multiplicar as suas as possibilidades criadoras e
compreensivas.
A erudição, pelo contrário, não age quimicamente. Como um bloco
pesado e indecomponível por qualquer reagente – a erudição existe na consciência do homem, com se não lhe pertencesse. Nunca,
quem a possui, se libertará desse peso que se precipita sobre todas as suas
manifestações intelectuais de tal forma que o erudito acaba por nos dar a
impressão de uma vida soterrada ou mumificada.
(continua)
in – “PRINCÍPIO” –
Publicação de Cultura e Política (1930) – Renascença Portuguesa