domingo, 22 de setembro de 2019

JOÃO GASPAR SIMÕES - Da Cultura e da Erudição (III)



JOÃO GASPAR SIMÕES
(Figueira da Foz, Portugal, 1903 — Lisboa, 1987)
Dramaturgo, crítico literário, tradutor

***

DA CULTURA E DA ERUDIÇÃO (III)

(continuação)

Entre o tradicionalista e o erudito há, portanto, este ponto de união: ambos obedecem a uma situação de facto – para continuar com Max Scheler – e ambos rejeitam a comunicação, quer dizer, o processus de recriação individual das experiências e ensinamentos alheios. 

E aqui lembramos Freud. A psicanálise faz consistir o seu processo de cura em trazer o doente até ao limiar dos acontecimentos recalcados. Uma vez aí, o doente revive esses acontecimentos – e liberta-se. Eis de que parecem o tradicionalista e o erudito: qualquer deles precisa de reviver as experiências acumuladas (recalcadas no tradicionalista; acumuladas, no erudito). 

É a falta de uma aceitação experimental, viva, que produz a secura e a esterilidade do erudito; é da recepção tácita do passado e da sua devolução para o subconsciente, que nasce o automatismo e o fatalismo do tradicionalista. A um e outro falta, em conclusão, a realização viva e individual das experiências e dos conhecimentos recebidos. 

Eis porque o homem culto é inimigo da tradição. A cultura é um progresso do espírito – uma permanente excitação das forças da inteligência. 

(continua)



in – “PRINCÍPIO” – Publicação de Cultura e Política – 1930 – Renascença Portuguesa

 




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