CARTA DE JOSÉ RÉGIO a VITORINO NEMÉSIO
Boavista
12
de Julho de 1938
Portalegre
Meu caro Nemésio:
Bem sei que me tenho portado incorrectamente consigo:
Ainda lhe não mandei o meu último livro, nem agradeci o seu. Mas atravesso uma
espécie de crise que me não tem deixado escrever a ninguém nem fazer nada que
não seja o meu trabalho obrigado profissional. Tenho destas coisas. Muitas
vezes preciso de silêncio, solidão e descanso completos. E os meus amigos que
me não puderem perdoar estas coisas, que são, talvez, sintomas duma doença
incurável, - têm de me abandonar.
Escrevo-lhe, hoje, obrigado por uns boatos que me chegam aos ouvidos.
Segundo esses boatos, Você está persuadido que o Casais Monteiro, o Simões e eu
fazemos panelinha contra Você. Não tenho tempo para pôr a questão
senão nestes termos brutais.
E é
brutalmente que lhe digo: Se está persuadido disso, adeus. Eu já estou muito
cansado de me explicar, de me abrir, de me desculpar
das minhas próprias virtudes, e de não ser compreendido! Quanto ao Casais e
ao Simões, esses, são melhores do que eu. Graças a Deus, todos nós somos
incapazes dessas mesquinhices que nos atribuem alguns que ferozmente nos
invejam. Ah! Que miserável coisa é a vida
literária!
Não falo bem de Você, Nemésio. Você está louco, por momentos:
Espero que volte à razão, e se arrependa das extravagâncias de agora. Não
estranhe este tom, que é o dum homem ferido: e cansado de o ser. Espero as suas
explicações; porque eu, entenda-se bem que me não digno dá-las. Pois quê?
Estaremos num mundo onde, por simples aparências (?) e intrigas, suspeitam de
nós as mais mesquinhas combinações, e
ainda havemos de ser nós, os caluniados, a ser humildes?
José Régio
Boavista
Portalegre
in “Correspondência com José Régio” – Obras Completas
Imagem: José Régio visto pelo pintor Arsénio da Ressurreição
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