quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

CARTA DE JOSÉ RÉGIO a VITORINO NEMÉSIO


CARTA DE JOSÉ RÉGIO a VITORINO NEMÉSIO
                                                         

                               Boavista    
                                                         12 de Julho de 1938
                                                         Portalegre
      Meu caro Nemésio:


     Bem sei que me tenho portado incorrectamente consigo: Ainda lhe não mandei o meu último livro, nem agradeci o seu. Mas atravesso uma espécie de crise que me não tem deixado escrever a ninguém nem fazer nada que não seja o meu trabalho obrigado profissional. Tenho destas coisas. Muitas vezes preciso de silêncio, solidão e descanso completos. E os meus amigos que me não puderem perdoar estas coisas, que são, talvez, sintomas duma doença incurável, - têm de me abandonar.
      
       Escrevo-lhe, hoje, obrigado por uns boatos que me chegam aos ouvidos. Segundo esses boatos, Você está persuadido que o Casais Monteiro, o Simões e eu fazemos panelinha contra Você. Não tenho tempo para pôr a questão senão nestes termos brutais.
      
     E é brutalmente que lhe digo: Se está persuadido disso, adeus. Eu já estou muito cansado de me explicar, de me abrir, de me desculpar das minhas próprias virtudes, e de não ser compreendido! Quanto ao Casais e ao Simões, esses, são melhores do que eu. Graças a Deus, todos nós somos incapazes dessas mesquinhices que nos atribuem alguns que ferozmente nos invejam. Ah! Que miserável coisa é a vida literária

Não falo bem de Você, Nemésio. Você está louco, por momentos: Espero que volte à razão, e se arrependa das extravagâncias de agora. Não estranhe este tom, que é o dum homem ferido: e cansado de o ser. Espero as suas explicações; porque eu, entenda-se bem que me não digno dá-las. Pois quê? Estaremos num mundo onde, por simples aparências (?) e intrigas, suspeitam de nós as mais mesquinhas combinações, e ainda havemos de ser nós, os caluniados, a ser humildes?

                                                             José Régio
                                                                Boavista
                                                              Portalegre




in “Correspondência com José Régio” – Obras Completas
Imagem: José Régio visto pelo pintor Arsénio da Ressurreição



Sem comentários:

Enviar um comentário

MALMEQUER

MALMEQUER Português, ó malmequer Em que terra foste semeado? Português, ó malmequer Cada vez andas mais desfolhado Ma...