A
FALSA ETERNIDADE
O verbo prorrogar entrou
em pleno vigor, e não só se prorrogaram os mandatos como o vencimento das
dívidas e dos compromissos de toda sorte. Tudo passou a existir além do tempo
estabelecido. Em consequência não havia mais tempo.
Então suprimiram-se os
relógios, as agendas e os calendários. Foi eliminado o ensino de História. Para
que História? Se tudo era a mesma coisa, sem perspectiva de mudança.
A
duração normal da vida também foi prorrogada e, porque a morte deixasse de
existir, proclamou-se que tudo entrava no regime da eternidade. Aí começou a chover,
e a eternidade se mostrou encharcada e lúgubre. E o seria para sempre, mas não
foi.
Um mecânico que se entediava em demasia com a eternidade aquática inventou
um dispositivo para não se molhar. Causou a maior admiração e começou a
recolher inúmeras encomendas. A chuva foi neutralizada e, por falta de
objectivo, cessou. Todas as outras formas de duração infinita foram cessando
igualmente.
Certa manhã, tornou-se
irrefutável que a vida voltara ao signo do provisório e do contingente. Eram
observados outra vez prazos, limites. Tudo refloresceu. O filósofo concluiu que
não se deve plagiar a eternidade.
CARLOS
DRUMMOND DE ANDRADE (Itabira, Brasil, 1902 - Rio de Janeiro, 1987)
in
“Contos Plausíveis”
Imagem:
pintura de William Blake
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