RESPOSTA DE VITORINO NEMÉSIO à CARTA DE JOSÉ RÉGIO
Coimbra, 15 de Julho de 1938
(R.
Antero de Quental, MS, 2º)
Meu caro José Régio,
Tal como V., não tenho tempo nem disposição para escrever longamente.
Tampouco costumo dar «explicações» a quem mas pede no tom da sua carta de 12, e
muito menos «explicações» de «uns boatos» - género de sociabilidade em que
evidentemente não está na minha índole colaborar. Um «evidentemente» pelo qual
respondem treze anos de vida literária (1924 a 1937) passados à margem de todos
os grupos e grupinhos da literatura nacional.
Se há, pois, boatos, fique bem
entendido que não os lanço eu. Mas, como realmente penso que V. não tem sido
para comigo um perfeito e aberto camarada, aproveito a ocasião que se me
oferece para lho dizer sem rodeios – e pela segunda vez.
As provas não são realmente
muito fáceis, dado que o seu grande temperamento de artista impregna de
subtileza as coisas da própria conduta do homem. No entanto, não lhe será
difícil meter a mão na consciência e ver o que ela de lá traz a respeito do seu
suelto sobre o aparecimento da Revista de Portugal, na Presença. A ver se realmente é assim,
tratando como anónimo o esforço alheio, que na sua ética literária se costuma fazer
justiça. Isso para não o enfadar levando-o a sondagens mais profundas.
E dê-me licença de me encostar,
neste triste ponto, a umas palavras da sua carta: «Não estranhe este tom que é
o dum homem ferido: e cansado de o ser.» Talvez que assim, tratando os dois
ferimentos pela sua mútua profundidade, possamos humanamente chegar a uma certa
paz pessoal.
Em qualquer caso, espero que V.
não atinja com possíveis resoluções extremas a sua comparticipação no que
moralmente significa a Revista de Portugal na literatura portuguesa de hoje.
Já responsabilizei em primeiro
lugar quem de direito por qualquer solução escandalosa do caso que deve estar
na origem dos «boatos», e que sempre tratei como segredo de redacção. Seria bom
que todos nós pensássemos fortemente nisto.
Vitorino Nemésio
in “Correspondência com José Régio” – Obras Completas
Imagem: retrato de Vitorino Nemésio por Victor Câmara