GONÇALO ANES
BANDARRA
(Trancoso, Portugal,
1500 – 1556)
Trovador
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Quase tudo o que se sabe
com certeza da vida de Gonçalo Anes Bandarra consta do seu processo
inquisitorial, publicado por Teófilo Braga na sua História de Camões (Porto,
1873).
Ele deve ter nascido por volta de 1500 na vila de Trancoso, que foi
também terra natal de outro autor popular seiscentista: Gonçalo Fernandes
Trancoso, que cativou muitas gerações de leitores portugueses com os seus
edificantes Contos de Histórias de
Proveito e Exemplo.
Antes da publicação do seu
processo, julgava-se que ele era pobre e de origem muito modesta. Mas na sua
declaração ao Tribunal lemos que «fora rico e abastado, mas que queria mais sua
pobreza em dizer a verdade e o que cumpria à sua consciência, que não dizer
outra cousa».
Também se julgava que o sapateiro não sabia ler nem escrever, mas
que ditava as suas profecias ao Padre Gabriel João de Trancoso, o qual seria o
seu amanuense, tal como o fora Baruch do profeta Jeremias.
Era assim que se
interpretava uma das suas trovas (aliás, inautênticas) do seu chamado «Terceiro
Corpo»:
Eu
componho, mas não ponho
as
letrinhas no papel,
que
o devoto Gabriel
vai riscando quanto eu
sonho.
Hoje se sabe que Bandarra
não era nenhum analfabeto. Ele mantinha correspondência com várias pessoas do
Reino, entre as quais se achavam figuras importantes.
As suas profecias rimadas não
tardaram a encontrar leitores na capital do Reino. Os cristãos-novos, que já
antes o tinham consultado como uma espécie de rabi, passaram agora a venerá-lo
como um profeta solidário com eles nas suas esperanças messiânicas.
Sabemos que
Bandarra, por duas vezes, se deteve por algum tempo em Lisboa ( 1531 e 1539), onde era muito procurado pela gente da nação. Tal alvoroço devia
despertar as suspeitas da Inquisição recém-estabelecida.
Bandarra foi preso e
levado para Lisboa (1540). A Mesa ouviu diversas testemunhas e impôs-lhe (3 de
Outubro de 1541) um castigo relativamente brando: o de abjurar solenemente as
suas trovas na procissão do auto-da-fé do dia 23 do mesmo mês. Pela sentença se
pode ver que Bandarra não foi acusado de judaísmo, nem sequer passava por
cristão-novo. O que se lhe imputava era causar alvoroço entre os cristãos-novos
com as suas trovas, que eles tendiam a interpretar em sentido judaico.
Fonte: “Instituto Camões” - José van den Besselaar -Professor jubilado da
Universidade Católica de Nijwegen (Holanda).
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TROVAS
Todos os lugares planos
Por terra serão prostrados,
Muitos males, muitos damnos
Haverà pellos peceádos.
As Serras se habitarão
E os Oiteiros mais altos,
Muitas Gentes sahirão
Outros andarão em Saltos.
Andarão como pasmados
Chorando pellos caminhos,
De suas terras lançados
De parentes, e vesinhos.
Então não haverà amigos
Nem pay que por filho seja,
O mais seguro abrigo
Serà acolherse à Igreja.
Nesses tempos os meninos
Ainda que innocentes,
Terão tãobem accidentes
Muito fora dos Caminhos.
Haverà peregrinaçoens
Mortes sem conto de dura,
Males fogos devisoens
Só Deos lhe póde dar cura.
Os póvos hão de alintar
As culpas dos seos Monarchas,
Que sem nenhum estudar
São Letràdos, e Patriarchas.
Interessante suas mensagens e linguagem que datam do período em que viveu.
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