domingo, 1 de novembro de 2020

ÁLVARO SALEMA – Stendhal (II)



ÁLVARO SALEMA
(Viana do Castelo, Portugal, 1914 - 1991)
Ensaísta, crítico literário

***

STENDHAL (II)

(continuação)

Stendhal, protegido por Daru, grande admirador das batalhas napoleónicas, foi pela primeira vez a Itália que nunca mais deixou de ser a pátria decorativa e ardente da sua fantasia. 

Em 1800 era oficial de baixa patente num desses corpos militares esfarrapados e heróicos que desenharam as cenas mais coloridas da chamada «epopeia» napoleónica: bateu-se nos Alpes e conheceu alguns aspectos da batalha de Marengo; e, tendo saído das fileiras em 1802, nem por isso deixou de acompanhar os factos mais notáveis do «caporalismo» imperial como funcionário administrativo do exército. 

Assistiu ao incêndio de Moscovo e à derrocada de Napoleão, observou com realismo intelectual as tragédias da guerra, correu aventuras e amores entre muitos desatinos. 

De tudo isso lhe ficou uma cruel frieza para conhecer até ao fundo as misérias e grandezas do ser humano, um amoralismo que só no movimento desencadeado da acção e das paixões se compraz – e um aborrecimento doentio para a vida calma a que teve de sujeitar-se daí em diante. 

Foi a partir de 1815, reduzido ao «meio soldo» pela restauração dos Bourbons, que Stendhal começou a publicar os seus livros para obter algum dinheiro e alimentar a imaginação que a forçada quietude da existência deixara entregue a si mesma.


(continua)
 

in “Mundo Literário” - 1946





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