quinta-feira, 1 de agosto de 2019

ISABEL WOLMAR – Os meus pais



ISABEL WOLMAR

(Lisboa, Portugal, 21 de Março, 1933 – 21 de Julho, 2019)
Locutora, apresentadora, produtora, repórter, actriz, poetisa, declamadora, cantora

***

OS MEUS PAIS

“Foram várias as pessoas que me marcaram enquanto cresci. O professor João Soares, o Manuel Lereno, meu mentor, e a minha família, claro, sobretudo a minha mãe.

O meu pai e a minha mãe eram pessoas muito diferentes. Ele era muito inglês, toda a gente o achava um gentleman, encantador, um amor de pessoa, mas era muito frio; ela era muito carinhosa.

O meu pai não nos dava um beijo. Lembro-me que quando a minha irmã mais nova teve um garrotilho, tinha ela uns sete anos, esteve a morrer, e quando voltou a poder falar, disse à minha mãe: «mamã, afinal o papá gosta de mim. Ele deu-me um beijo!»

A mim, o meu pai só começou a dar-me beijos depois de eu me ter casado e ter saído de casa, mas eu sei que ele gostava muito de mim. Eu era a sua companheira dos concertos. Só que ele era muito distante, até com a minha mãe. Ela dizia: «eu que gosto tanto de beijinhos e abraços, casei com o homem de que gosto, mas que não me dá um carinho.» Só muito mais tarde é que eu comecei a vê-lo de outra maneira. Por isso é que eu gostava de homens mais velhos, porque gostava de ter tido um pai mais companheiro, que falasse, que fosse meu pai a sério.

O meu pai conciliava o seu trabalho como empregado de escritório no Diário de Notícias com a carreira de compositor e pianista. De facto, eu venho de uma família de artistas de canto, de piano e de violino. 

Os nossos serões de infância eram uma coisa maravilhosa. Quase todos os Sábados, reuniam-se lá em casa vários actores, poetas, dramaturgos e músicos. Tínhamos uma sala grande, com cadeiras, como se fosse uma plateia, e tínhamos os programas, como em qualquer teatro – feitos à mão pelo meu pai! 

Ele arranjava temas, por exemplo um serão de música clássica ou ligeira, uma ópera, uma orquestra, e tudo vinha explicado no programa, bem como quem participava. Iam lá casa, entre outros, o Paulo Alexandre, o Nuno de Almeida, a Maria de Lourdes Resende, o António Calvário, a Simone de Oliveira, a Madalena Iglésias, artistas que o meu pai começou a acompanhar de perto. Eram serões muito agradáveis.”




in “A Vida com um Sorriso” – Patrícia Costa Dias

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