terça-feira, 24 de dezembro de 2019

ANTÓNIO ALEIXO - Não creio nesse Deus



ANTÓNIO ALEIXO

(Vila Real de Santo António, Portugal, 1899 - Loulé, 1949)

Poeta

***

Quase analfabeto, foi tecelão, servente de pedreiro em França, pastor de cabras e cauteleiro. O exercício desta profissão levou-o de terra em terra, favorecendo-lhe o cultivo da sua veia poética. Os seus versos de tom dolorido reflectem bem a vida amarga que lhe coube em sorte.


in “Livro dos Portugueses”

***

NÃO CREIO NESSE DEUS


I

Não sei se és parvo se és inteligente
— Ao disfrutares vida de nababo
Louvando um Deus, do qual te dizes crente,
Que te livre das garras do diabo
E te faça feliz eternamente.

II

Não vês que o teu bem-estar faz d'outra gente
A dor, o sofrimento, a fome e a guerra?
E tu não queres p'ra ti o céu e a terra…
— Não te achas egoísta ou exigente?

III

Não creio nesse Deus que, na igreja,
Escuta, dos beatos, confissões;
Não posso crer num Deus que se maneja,
Em troca de promessas e orações,
P'ra o homem conseguir o que deseja.

IV

Se Deus quer que vivamos irmãmente,
Quem cumpre esse dever por que receia
As iras do divino padre eterno?...
P'ra esses é o céu; porque o inferno
É p'ra quem vive a vida à custa alheia!





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