quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

JÚLIO BRANDÃO - Cantares



JÚLIO BRANDÃO
(Famalicão, Portugal, 1869 - Porto, 1947)
Escritor, poeta, crítico literário

***

Um dia quando alguém lhe perguntou como e quando se sentiu escritor, ele terá respondido que foi o Minho que o fez escritor. E mais do que escritor, poeta. É que no «Minho – como ele disse – tudo canta – gente, aves, paisagens. Tudo canta. A vida é dura nos trabalhos da gleba, o camponês duma sobriedade espartana – mas canta quase sempre, talvez para tornar menos pesada a sua tristeza. (…) 

Em pequenito, ia eu ouvindo as trovas, que voavam em plena labuta dos campos – e, sobretudo nas espadeladas, nas esfolhadas, nas romarias cheias de sol. Havia desafios à viola, cantadeiras que se batiam galhardamente, com adversários que vinham de longe e eram repentistas de nomeada. 

Algumas dessas quadras, ardentes como cravos vermelhos, irónicas como picadas de ortigas, mas a maior parte falando de amores e de saudades, deixavam-me no ouvido um doce zumbido musical, para me descerem depois à alma infantil, onde instilavam o seu perfume e o seu mel…»

in “Dicionário de Literatura Portuguesa”

***
CANTARES
Há duas coisas no mundo
Que se não podem contar:
Beijos que as mães dão aos filhos,
Areias que tem o mar.

Berços, a vossa diferença
Qual é, dizei-mo, afinal:
Todos nascemos chorando…
Reparai neste sinal.

Ó mães que embalais os filhos
Com olhar de amor profundo,
De vagar! Num berço às vezes
Anda o destino do mundo!

Quem tiver filhos pequenos
Tem os mais lindos amores:
Deve trazê-los ao peito,
Que o mesmo se faz às flores.

Que linda estrêla tam alta,
Quem me dera lá chegar!
Talvez que lá chegue um dia
Quem anda ao peito a mamar.

Coração que tens bondade
Sê bendito, coração!
És do tamanho do mundo,
Cabes na palma da mão.





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