RAMALHO ORTIGÃO
(Porto, Portugal, 1836 - Lisboa, 1915)
Escritor
***
O
PRESÉPIO
O objecto do culto, da
admiração, do entusiasmo, do enlevo dos pequenos do meu tempo era o velho presépio, tão ingénuo, tão profundamente
infantil, tão cheio de coisas risonhas, pitorescas, festivas, inesperadas.
Era uma grande montanha de
musgo, salpicada de fontes, de cascatas, de pequenos lagos, serpenteada de
estradas em ziguezagues e de ribeiros atravessados de pontes rústicas. Em
baixo, num pequeno tabernáculo, cercado de luzes, estava o divino bambino, loiro,
papudinho, rosado como um morango, sorrindo nas palhas do seu rústico berço, ao
bafo quente da benigna natureza representada pela vaca trabalhadora e pacífica e
pela mulinha de olhar suave e terno.
A Santa Família contemplava
em êxtase de amor o delicioso recém-nascido, enquanto os pastores, de joelhos, lhe
ofereciam seus presentes, as frutas, os frângãos, o mel, os queijos frescos.
A grande estrela de papel doirado,
suspensa do tecto por um retrós invisível, guiava os três reis magos, que vinham
a cavalo descendo a encosta, com as suas púrpuras nos ombros e as suas coroas na
cabeça.
in “Farpas I”
Imagem: Ramalho Ortigão, por Columbano - Museu Grão Vasco - Viseu
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