João Ubaldo Ribeiro
(Itaparica, Bahia, Brasil, 1941 –
Rio de Janeiro, Brasil, 2014) foi
escritor, jornalista e professor.
Instituído pelos governos português e brasileiro em 1988, o Prémio Camões distingue, anualmente, um
autor que, pelo conjunto da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento
do património literário e cultural da língua portuguesa.
O júri, que deliberou por maioria, foi
presidido por Ruy Espinheira Filho (Brasil), Maria Lúcia Lepecki e Maria de
Fátima Marinho (Portugal), Marco Lucchesi (Brasil), João Melo (Angola) e
Corsino Fortes (Cabo Verde).
Na sua decisão, o júri teve em consideração "o alto nível da obra literária de João
Ubaldo Ribeiro, especialmente densa das culturas portuguesa, africanas e dos
habitantes originais do Brasil".
Palavras
de João Ubaldo
Ribeiro:
"Não se lê porque não se gosta de ler, porque dá trabalho.
Ler é chato porque a pessoa não aprendeu a ler. Ela aprendeu a ficar na frente
da TV onde tudo é fornecido."
Pensamentos, palavras
e obras (excertos do texto):
Em
matéria de pecados, aliás em matéria de religião geral, eu sempre achei que a
pior coisa é os pensamentos.
Na aula
de catecismo, que era depois da missa e antes do futebol, quer dizer, a gente
só pecando porque não queria assistir o catecismo, nessa aula dona Maria José,
com aquelas blusas dela de mangas fofolentas e os olhos piscando o tempo todo e
a cara de doente, dizia que se peca por pensamentos, palavras e obras.
Palavras
e obras, certo, muito certo, certo. Mas pensamento é muito descontrolado, de
maneira quê todo mundo tinha dificuldades nessa parte, talvez somente dona
Maria José não tivesse, porque tudo o que ela pensava era catecismo.
Muitas vezes perguntei a minha mãe — e não perguntei a dona Maria José, porque o que a gente perguntava a ela, ela mandava a gente estudar e escrever uma dissertação, para ler alto no outro domingo — como é que a pessoa fazia para não pecar por pensamentos e ela me disse que bastava não pensar nem besteira nem safadagem.
Muitas vezes perguntei a minha mãe — e não perguntei a dona Maria José, porque o que a gente perguntava a ela, ela mandava a gente estudar e escrever uma dissertação, para ler alto no outro domingo — como é que a pessoa fazia para não pecar por pensamentos e ela me disse que bastava não pensar nem besteira nem safadagem.
Ora,
isso está todo mundo sabendo, a questão é que a besteira e a safadagem aparecem
o tempo todo, sem ninguém chamar. Mas de fato era uma coisa muito de admirar
que os crescidos todos, na hora da comunhão, iam sem pestanejar, quer dizer,
não tinham pecado nem por pensamento, por que senão não iam arriscar a receber
o corpo de Cristo com tudo por dentro sujo imundo de pecados.
Eu não,
eu sempre tive problemas, porque primeiro nunca deixava de esquecer algum
pecado e na hora que saía é que eu lembrava e aí ficava com vergonha de voltar
ao padre e aí ficava achando que ia comungar sujo imundíssimo. Mas minha mãe
disse que não podia fazer lista de pecados, onde já se viu, que na hora o Espírito
Santo ajudava, mas ele nunca me ajudou, pelo menos eu nunca notei nada.
Enfrentei bastante sofrimento.
João Ubaldo Ribeiro, in “Livro de histórias".
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