CECÍLIA MEIRELES
(Brasil, 1901 – 1964)
Poetisa,
professora, pintora
***
GUERRA
Tanto
é o sangue
que
os rios desistem de seu ritmo,
e
o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.
Tanto
é o sangue
que
até a lua se levanta horrível,
e
erra nos lugares serenos,
sonâmbula
de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.
Tanta
é a morte
que
nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem
uso.
Oh,
os dedos com alianças perdidos na lama...
Os
olhos que já não pestanejam com a poeira...
As
bocas de recados perdidos...
O coração dado aos vermes, dentro dos densos
uniformes...
Tanta
é a morte
que
só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas... - e alcançariam as estrelas.
E
as máquinas de entranhas abertas,
e
os cadáveres ainda armados,
e
a terra com suas flores ardendo,
e
os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e
este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e
a lua alucinada de seu testemunho,
e
nós e vós, imunes,
chorando,
apenas, sobre fotografias,
- tudo
é um natural armar e desarmar de andaimes
entre tempos vagarosos, sonhando arquitecturas.
in “Segunda Guerra Mundial - Uma
Antologia Poética" – Sammis Reachers