domingo, 27 de setembro de 2020

LIMA DE FREITAS – VIEIRA DA SILVA e os seres dos espelhos (VII)



LIMA DE FREITAS
(Setúbal, Portugal, 1927 — Lisboa, 1998)
Pintor, desenhador, escritor

***

VIEIRA DA SILVA E OS SERES DOS ESPELHOS (VII)

(continuação)

A cidade sempre atraiu os pintores. Basta lembrar os telhados e pináculos, rodeados de muralhas, que se vislumbram no fundo verde-prado e azul montanha dos retábulos medievais, por detrás das figuras dos santos e dos doadores, ou entre os personagens alegóricos nas mitologias pintadas do Renascimento italiano; as torres de Babel de Bruegel e as fantasias arquitectónicas de Piranesi; essa cidade afundando-se na catástrofe, que arde no quadro «As filhas de Loth», de Lucas Van Leyden, sobre o qual Artaud escreve com tanto fervor; ou os projectos urbanísticos de Leonardo da Vinci, ou a Veneza de Carpaccio, mais tarde de Canaletto e Guardi, ou a Toledo do Greco… 

O interesse dos pintores pela Cidade não corresponde apenas ao desenvolvimento das cidades europeias, sobretudo com o aparecimento das cidades livres – como as da Liga Hanseática, no Norte da Europa; tal interesse, por um momento contrariado, durante o período romântico, pelo súbito amor da paisagem natural e selvagem, reaparece de novo com os impressionistas; e se é verdade que o culto da paisagem, que conduziu a certas correntes do Naturalismo, anima um ramal da escola impressionista, o outro ramal é constituído por pintores «urbanos» que retratam Paris, dos grandes boulevards aos quintais da banlieue. Pissaro, Utrillo, Marquet; depois, a Torre Eiffel glorificada por Delaunay; Dufy; mais tarde (muito mais tarde) as tristes praças vazias de Buffet… quantas cidades, reais e inventadas, retratadas, cantadas, erguidas, sobrevoadas pelo pincel dos pintores.

(continua)


in ”Voz Visível” – Ensaios – 1971





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