LIMA DE FREITAS
(Setúbal, Portugal, 1927 — Lisboa, 1998)
Pintor, desenhador, escritor
***
VIEIRA
DA SILVA E OS SERES DOS ESPELHOS (VII)
(continuação)
A cidade sempre atraiu os pintores. Basta lembrar os
telhados e pináculos, rodeados de muralhas, que se vislumbram no fundo
verde-prado e azul montanha dos retábulos medievais, por detrás das figuras dos
santos e dos doadores, ou entre os personagens alegóricos nas mitologias
pintadas do Renascimento italiano; as torres de Babel de Bruegel e as fantasias
arquitectónicas de Piranesi; essa cidade afundando-se na catástrofe, que arde
no quadro «As filhas de Loth», de Lucas Van Leyden, sobre o qual Artaud escreve
com tanto fervor; ou os projectos urbanísticos de Leonardo da Vinci, ou a Veneza
de Carpaccio, mais tarde de Canaletto e Guardi, ou a Toledo do Greco…
O
interesse dos pintores pela Cidade não corresponde apenas ao desenvolvimento
das cidades europeias, sobretudo com o aparecimento das cidades livres – como
as da Liga Hanseática, no Norte da Europa; tal interesse, por um momento
contrariado, durante o período romântico, pelo súbito amor da paisagem natural
e selvagem, reaparece de novo com os impressionistas; e se é verdade que o
culto da paisagem, que conduziu a certas correntes do Naturalismo, anima um
ramal da escola impressionista, o outro ramal é constituído por pintores
«urbanos» que retratam Paris, dos grandes boulevards
aos quintais da banlieue. Pissaro,
Utrillo, Marquet; depois, a Torre Eiffel glorificada por Delaunay; Dufy; mais
tarde (muito mais tarde) as tristes praças vazias de Buffet… quantas cidades,
reais e inventadas, retratadas, cantadas, erguidas, sobrevoadas pelo pincel dos
pintores.
(continua)
in ”Voz Visível” – Ensaios
– 1971
Sem comentários:
Enviar um comentário